Não subestime os 60+ na era digital


Tati Gracia 6 minutos de leitura

Brasileiros acima de 60 anos estão embarcando cada vez mais no universo digital. Os números comprovam: eles foram responsáveis por 6% dos R$ 7,7 bilhões de faturamento total do e-commerce em 2020.

A rede social mais utilizada por esse público é o WhatsApp, com 92%, seguido por Facebook e YouTube. A maioria acessa as redes sociais para buscar notícias (64%), ter contato com a família (61%) e encontrar informações sobre produtos e serviços (54%), segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).

Estes números derrubam o mito de que os 60+ não são digitais. Pelo contrário: estão bastante presentes no ambiente online, aumentando o uso de serviços de vídeos gratuitos (92%) ou streamings pagos (89%), obtendo informações antes de realizar uma compra (85%) ou fazendo alguma transação online (75%).

Em 2020 vimos, pela primeira vez, o número de pessoas com mais de 60 anos superar o de crianças com menos de cinco anos.

É etarismo acharmos que isso não acontece.

Apesar de esses índices serem extremamente relevantes, estudos apontam que um dos maiores desejos desse público é… ganhar conhecimento tecnológico. O que não é nada diferente do que querem as outras gerações.

A aceleração da adoção tecnológica, potencializada pelas novas inteligências artificiais, vem aumentando ainda mais esse desejo pela busca do conhecimento digital. Não é mais simplesmente saber usar o WhatsApp, mas as ferramentas que a tecnologia coloca à nossa disposição.

Como diz o professor Alexandre Kalache, existem quatro capitais essenciais para a longevidade e o envelhecimento saudável, entre os quais o capital do conhecimento (os outros são vital, social e financeiro), que prega que precisamos nos manter eternamente aprendendo. Não à toa, um dos maiores anseios dos 60+ é o aprendizado sobre tecnologia e digitalização.

A inclusão digital se faz, portanto, mais do que necessária, uma vez que ela está diretamente conectada com a capacidade de socialização e o sentimento de pertencimento ao novo mundo em que vivemos.

PREPARE-SE PARA UMA VIDA CENTENÁRIA

Também não é por acaso que começamos a assistir ao surgimento de startups que trazem produtos e serviços para quem tem mais de 60 anos, as chamadas agetechs, que entregam tecnologias desenhadas para atender as necessidades desse público e de quem cuida dele. Estima-se que somente o mercado norte-americano – incluindo empresas, startups, produtos e serviços para o benefício da boa longevidade humana – deve alcançar US$ 2 trilhões.

Crédito: freepik

Para materializar esse crescente movimento, o South by Southwest (SXSW), maior festival de inovação do mundo, reuniu em um mesmo painel, batizado  “Get Ready for a 100 Year Life”, CEOs de quatro startups de base tecnológica focadas no público 50+ que entusiasmam seus usuários e capitalizam oportunidades em um mercado em expansão, mas que no Brasil ainda é precário e, por isso, com um vasto campo para empreender.

Chip Conley ingressou na então pequena startup de tecnologia Airbnb há quase uma década, depois de uma carreira de sucesso como fundador e CEO de uma empresa de hotéis butique. Ele tinha o dobro da idade do funcionário médio da Airbnb, o que lhe valeu o título de "ancião moderno da Airbnb".

Como mentor interno do jovem CEO, Brian Chesky, Conley pôde ver o valor da colaboração intergeracional em uma organização que viria a se tornar a empresa de hospitalidade mais valiosa do mundo.

Seu best-seller "Wisdom@Work: The Making of a Modern Elder" é uma prova de repensar o valor de ter cinco gerações atuando simultaneamente e porque mais empresas estão fazendo o possível para incentivar seus funcionários mais velhos a permanecerem no local de trabalho por mais tempo.

A inclusão digital se faz mais do que necessária, uma vez que está diretamente conectada com a capacidade de socialização e o sentimento de pertencimento ao novo mundo.

Vanessa Liu tem mais de 23 anos de experiência e um histórico comprovado de criação de valor como fundadora, operadora, estrategista e investidora em série na SAP, Trigger Media e McKinsey. Ela é cofundadora e CEO da Sugarwork, empresa que facilita acordos flexíveis de meio período para funcionários experientes e capacita empregadores a manter o conhecimento, as habilidades e os relacionamentos que impulsionam seus negócios.

Meredith Oppenheim é fundadora e CEO da Vitality Society, comunidade online projetada para enriquecer, envolver e capacitar pessoas com 60 anos ou mais para permanecerem no seu melhor. Ela criou um serviço focado na vitalidade e uma experiência centrada na prevenção que atrai assinantes que participam, em média, cinco horas por semana para se manterem conectados e bem.

É vencedora do US Congressional Award por seu trabalho voltado a idosos e atuou na Comissão de Amizade do Idoso e no conselho do Departamento de Envelhecimento de Nova York durante décadas como executiva no setor de habitação para idosos.

John Zapolski é o fundador e CEO da Alive Ventures, estúdio que cria novos negócios ousados para atender melhor os idosos. Foi consultor de inovação para líderes da Fortune 500 e executivo de produto e estratégia na Wells Fargo e no Yahoo, onde ajudou a inventar e projetar algumas das primeiras ferramentas habilitadas para a web direcionada ao comércio, bancos, viagens e pesquisas.

INTERGERACIONALIDADE

Em 2020 vimos, pela primeira vez, o número de pessoas com mais de 60 anos superar o de crianças com menos de cinco anos. Essas mudanças demográficas tendem a continuar. De acordo com os painelistas, o segredo para chegar a essa longevidade é fazer conexões, manter uma vivência em grupo e pertencer a uma comunidade.

O bate-papo entre os CEOs concluiu que os indivíduos mais velhos, assim como nós, têm novas expectativas sobre como será o trabalho e a vida à medida que avançam para o terceiro capítulo de suas existências. São conhecedores de tecnologia, socialmente conscientes e encontram propósito no trabalho ou no voluntariado. À medida que envelhecem, continuarão a se esforçar para tirar o máximo proveito de tudo.

Crédito: iStock

Um dos segredos do avanço da capacitação tecnológica para esse público é a intergeracionalidade. Exemplo disso é a história empática de Jordan Mittler. Aos 12 anos, teve a ideia de criar um programa de tecnologia para idosos depois de perceber que seus avós não tinham as mesmas habilidades tecnológicas que ele e, por isso, não podiam usar um iPhone com o qual o próprio os havia presenteado.

Assim nasceu a ideia da Mittler Senior Technology. O jovem empreendedor sabia que precisava ajudar essa geração mais velha, que perdeu o boom tecnológico e está, literalmente, com medo de tentar descobrir o novo mundo conectado.

Como resultado, muitas vezes os 60+ são deixados sozinhos e fora de contato porque não conseguem se comunicar como todo mundo. Até hoje, a empresa educou mais de três mil idosos de 10 países e ministrou mais de 400 aulas.

Os esforços de Mittler para ajudar a melhorar a qualidade de vida dos idosos atraíram a atenção do mundo inteiro e sua história empreendedora serve de inspiração para pessoas de todas as idades.

Seu conselho para outros adolescentes é que, caso se deparem com um problema, tentem encontrar uma solução. Foi o que ele fez, seguindo o mantra “apenas se concentrem em seus objetivos e tenham foco em fazer a diferença.”


SOBRE A AUTORA

Tati é referência em comportamento de consumo e empatia no Brasil. Mestre em Análise do Comportamento Humano, é autora do livro “Empat... saiba mais