Novembro é movimento

A Marcha das Mulheres Negras me deu impulso. Me deu também força e coragem

grupo de mulheres batendo palmas
Créditos: Delmaine Donson/ Getty Images/ Hulki Okan Tabak/ Oleksander/ Unsplash

Silvana Bahia 2 minutos de leitura

Novembro tem sempre um clima diferente. É aquela sensação de reta final de ano, misturada com o Mês da Consciência Negra, quando o Brasil tenta ajustar o olhar para histórias que sempre ficaram à margem. Mas este novembro, em especial, veio com uma camada a mais.

No dia 25 estivemos em Brasília para uma nova Marcha das Mulheres Negras, exatamente 10 anos depois daquela caminhada, em 2015, que me transformou de um jeito que só fui entendendo aos poucos. 

Me lembro muito bem daquela manhã. Não era um protesto tradicional. Centenas de mulheres negras estavam ali, sim, marchando contra o racismo e a violência e pelo bem viver como uma nova utopia. E também, sobretudo, para viver um momento de união e reconhecimento, de olhar para o lado e entender que havia ali uma força construída coletivamente.

Isso me proporcionou um senso imediato de direção. Foi como se eu finalmente enxergasse com mais certeza o que queria seguir construindo dali em diante. A Marcha me deu impulso. Me deu também força e coragem.

Dez anos se passaram, muita coisa mudou. O mundo, para o bem e para o mal, é outro. Vivemos retrocessos, enfrentamos períodos de tensão política e social. Houve momentos em que tudo pareceu a ponto de desandar de vez, como se estivéssemos perdendo a capacidade de conversar, de planejar, de acreditar.

Por outro lado, também vimos ideias ganharem corpo, iniciativas nascerem de lugares inesperados, redes se fortalecerem e debates essenciais ocuparem espaços que antes nos eram negados.

Na minha própria vida, esses anos trouxeram transformações importantes. Muito trabalho, dúvidas necessárias e alguns caminhos que precisei reconstruir com cuidado.

Marcha das Mulheres Negras 2025
Crédito: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

Mas, ao longo desses 10 novembros, sempre encontrei bons motivos para continuar naquela caminhada que iniciei em 2015. Novos encontros, boas conversas, grandes projetos e pequenos gestos que renovaram a vontade de contribuir para um futuro mais justo, mesmo quando o cenário parecia desfavorável.

E novembro também teve a Flup, a Festa Literária das Periferias, no Rio de Janeiro, onde nesta edição participei de debates com duas referências imensas para mim, Conceição Evaristo e Ruha Benjamin, e com o Códigos Negros que levou obras digitais inéditas de artistas negros ao Viaduto de Madureira.

Vimos redes se fortalecerem e debates essenciais ocuparem espaços que antes nos eram negados.

A Flup sempre foi um um lugar onde literatura, política, afeto e grandes ideias se combinam sem hierarquia. Voltar para lá justamente neste novembro, às vésperas da nova Marcha das Mulheres Negras, ganhou outro sentido.

Contar nossas histórias, como fazemos na Flup, é também uma forma de caminhar, é também outro jeito de seguir a mesma trilha que a Marcha das Mulheres Negras propõe nas ruas. Uma disputa pelo presente, um jeito de abrir espaço para futuros que ainda não existem, mas que começam quando decidimos nomear o que vivemos.

Novembro, enfim, é uma temporada de reencontro, quando recupero movimentos que às vezes se perdem no meio do ano: o que acredito, o que quero fortalecer, as pessoas que caminham comigo e a parte de mim que insiste em se reencantar com a vida. 


SOBRE A AUTORA

Silvana Bahia é codiretora executiva no Olabi – organização dedicada a diversificar a cena de tecnologia e inovação no Brasil. Fellow ... saiba mais