O balanço entre a potência das comunidades e o risco das bolhas

Créditos: Moyo Studio/ iStock/ rawpixel

Paulo Emediato 5 minutos de leitura

Em uma era de hiperconexão e volatilidade, a capacidade de estabelecer relacionamentos e a flexibilidade cognitiva para se adaptar é fundamental. As comunidades representam um oásis de estabilidade diante de mudanças cada vez mais aceleradas.

Elas se tornaram nossos norteadores, portos seguros em meio à tempestade de informações. Esses agrupamentos proporcionam apoio, validação e uma sensação inestimável de pertencimento. 

Tanto no conclamado ecossistema de inovação como na interação humana em geral, grupos organizados por afinidade servem como faróis de suporte, conhecimento (nem sempre) e identidade.

Mas, como a diferença entre veneno e remédio muitas vezes está na dose, também existem desafios e riscos que pretendo explorar um pouco mais adiante. 

O INEGÁVEL PODER DO COLETIVO

As comunidades são tesouros compartilhados. Dentro delas, nos encontramos envolvidos em um mar de experiências, desafios e objetivos comuns. Por mais peculiar que seja um grupo, ele se beneficia da dinâmica segmentada, encontrando camaradagem, aprendizado mútuo e, mais importante, acolhimento para suas ideias.

As comunidades representam um oásis de estabilidade diante de mudanças cada vez mais aceleradas.

Empreendedores, líderes e profissionais, quando imersos em suas respectivas comunidades, têm acesso a experiências compartilhadas como se cada membro trouxesse uma peça para um mosaico.

O valor desta conexão vertical é inquestionável: leva à especialização, dá profundidade ao conhecimento, promove oportunidades e recursos. Você está cercado por pessoas que falam sua língua, que "entendem" as nuances do seu domínio.

Essas conexões, embora incrivelmente enriquecedoras, vêm com uma ressalva: o risco de se tornarem câmaras de eco, onde suas ideias são sempre recebidas com aplausos.

BOLHAS E EFEITO ECO

Por outro lado, mergulhar muito fundo em uma comunidade pode, paradoxalmente, limitar nosso campo de visão. Entramos no reino das "bolhas", onde nos cercamos apenas de vozes e opiniões semelhantes. Isso nos leva ao groupthink, ou "pensamento de manada", um cenário perigoso, que mata a inovação e inibe a criatividade, onde as ideias são repetidamente reforçadas sem questionamento.

Dentro da comunidade, nos encontramos envolvidos em um mar de experiências, desafios e objetivos comuns.

Esse fenômeno, também conhecido como "efeito eco", cria câmaras de ressonância, amplificando certos pontos de vista e silenciando outros. Nos tornamos refratários à diferença e a qualquer coisa que ameace a ordem estabelecida no contexto já criado. O custo da mudança aumenta e nos induz aos padrões do coletivo.

Comunidades online podem abranger geografias e culturas, o que ajuda a mitigar alguns aspectos do efeito bolha. No entanto, plataformas digitais exacerbam câmaras de eco devido à curadoria algorítmica de conteúdo. Assim, embora ofereçam acesso amplo, o desafio permanece em buscar ativamente feedback diversificado. 

INTERAÇÕES: VERTICAIS x HORIZONTAIS

Agora, imagine a diferença entre mergulhar em um poço e se estender por um campo. As interações verticais são o poço, indo mais fundo em uma área de conhecimento ou indústria. Por outro lado, as horizontais expandem nossa rede através de diversos campos e disciplinas, oferecendo a degustação de perspectivas diversas.

mergulhar muito fundo em uma comunidade pode, paradoxalmente, limitar nosso campo de visão.

Comunidades podem operar de ambas as formas, como uma dinâmica constante de troca horizontal ou um aprofundamento especializado.

Verticais: são interações que ocorrem dentro de uma indústria ou domínio específico. Elas permitem que as pessoas aprofundem seu conhecimento em uma área particular, tornando-se especialistas. Tais interações são cruciais para entender as nuances e detalhes de um setor ou tema e para construir uma base sólida de expertise.

Horizontais: se referem a interações que acontecem entre diferentes indústrias ou domínios. Elas são a porta de entrada para insights interdisciplinares e inovações que podem ser aplicadas de um campo de conhecimento para outro. As interações horizontais ampliam o escopo de compreensão e abrem oportunidades para abordagens inovadoras.

A BELEZA DA CURIOSIDADE TRANSVERSAL

É aqui que é importante resgatar o conceito de "get out of the building" ou "saia do prédio", intimamente associado à metodologia lean startup, popularizada por Steve Blank e Eric Ries.

Por mais que tenha se tornado um jargão "startupeiro", essa abordagem não foi criada ontem, por força de moda. Em sua essência, enfatiza a importância de interagir com potenciais clientes fora dos limites da sua empresa para realmente entender suas necessidades, desejos e desafios.

o crescimento verdadeiro muitas vezes ocorre na intersecção entre o familiar e o desconhecido.

O que vale entre empresas e clientes se aplica a outras relações e contextos sociais. Inspirado em práticas etnográficas da antropologia, este mantra de ir a campo nos impulsiona a explorar, questionar e interagir com mundos fora de nossos círculos habituais.

Não é apenas sobre coleta de dados, mas sobre alimentar uma "curiosidade transversal", um desejo de compreender contextos diferentes dos nossos.

É isso que nos permite confrontar suposições e realidades, descobrir e nos conectar com os contextos e motivações dos outros e trabalhar a nossa plasticidade para navegar fora do contexto que nos deixa confortáveis. 

HARMONIZANDO PROFUNDIDADE E DIVERSIDADE

As comunidades, sem dúvidas, favorecem muitas inovações e avanços, tanto individuais quanto coletivos. No entanto,

ir a campo nos impulsiona a explorar, questionar e interagir com mundos fora de nossos círculos habituais.

para verdadeiramente crescer, precisamos exercitar a curiosidade, expandir horizontes e desafiar nossas próprias suposições.

Em outras palavras, precisamos de um equilíbrio harmonioso entre a especialização que as comunidades oferecem e a perspectiva ampla que o mundo fora da bolha nos proporciona. Um dos caminhos possíveis pode ser: 

  • Ancore-se primeiro em sua comunidade especializada. Construa credibilidade, adquira expertise no domínio e forme uma base sólida.
  • Uma vez bem preparado, aventure-se. Engaje-se com diferentes indústrias, participe de debates variados e absorva perspectivas diversas. Pense nisso como enriquecer sua biblioteca com os mais diversos autores, histórias e personagens. 
  • A magia muitas vezes está em mixar. Una seus insights profundos de domínio com perspectivas amplas e inter-trans-multidisciplinares. Essa fusão frequentemente gera  insights mais criativos e caminhos inovadores.
  • Inclua ambos os grupos para feedback. Suas conexões verticais fornecem uma lupa, enquanto as horizontais oferecem uma visão panorâmica.

Então, da próxima vez que você se encontrar imerso em conversas e ideias familiares, dê um passo atrás, respire fundo e pergunte-se: "Estou realmente vendo o quadro completo?".

E lembre-se, o crescimento verdadeiro muitas vezes ocorre na intersecção entre o familiar e o desconhecido.


SOBRE O AUTOR

Paulo Emediato vivencia a inovação na prática, de diferentes formas, desde 2012. Com mais de 15 anos de experiência corporativa, já em... saiba mais