O Brasil da abundância
Somos o país da abundância não só de recursos naturais, mas de algo muito mais difícil de quantificar: imaginação e tecnologias sociais

Olá! Meu nome é M.M. Izidoro e a partir de hoje vou ocupar esse espaço aqui na Fast Company Brasil para dividir com vocês algumas reflexões sobre tecnologia, cultura e principalmente sobre o papel do Brasil nisso tudo e como a gente pode repensar nosso papel no mundo.
Sou chefe de estratégia narrativa na Semente e vice-presidente de culturas brasileiras na diana. Dois cargos que tenho muito orgulho de carregar comigo, pois me fazem viver, ver e pensar esse grande país de forma imersiva e intensa.
Por isso espero que esse seja um lugar onde a gente possa questionar o óbvio, celebrar nossas potências e que inovação não é só sobre código e startups, mas sobre recriar as histórias que contamos sobre nós mesmos e os laços que fazemos com aqueles a nossa volta. Coisas que esse país me ensina todos os dias.
Para essa primeira coluna já quero começar com uma provocação: o Brasil é o país da escassez ou da abundância?
Vi essa pergunta sendo feita em um evento recentemente e pensei nas diversas vezes que ouvi alguma variação dela, sempre com a mesma resposta: escassez. Falta infraestrutura, falta educação de qualidade, falta previsibilidade econômica. Uma lista enorme que para muitos é o que faz a gente criar as ferramentas que criamos para sobreviver, o tal "jeitinho brasileiro".
Mas espera um pouco. Como pode ser o país da escassez uma terra que durante séculos foi saqueada justamente pela sua abundância? Ouro, pau-brasil, café, açúcar, minério de ferro. Um país que exporta tanto executivo para liderar algumas das maiores multinacionais do planeta. Gigante em capital social e excelência.
Acredito que a gente só é visto como escasso porque não temos o que eles esperam que tenhamos e o que eles esperam é sempre a própria imagem deles refletida de volta.
a gente aqui sabe que riqueza de verdade está na conexão, na vivência, no que não se quantifica mas se sente no peito.
A verdade que ninguém quer admitir é que o Brasil é o país da abundância. Não só de recursos naturais, mas de algo muito mais poderoso e difícil de quantificar em em relatórios no final do trimestre: imaginação e tecnologias sociais.
Somos o país que inventou o Carnaval como o conhecemos, que criou a Bossa Nova, que fez do futebol uma forma de arte. Somos a terra de Machado de Assis, Carolina Maria de Jesus, Glauber Rocha. Criamos soluções gambiarra que viraram metodologia de design thinking em universidades gringas. Transformamos limitação em criatividade todo santo dia.
No mercado de tecnologia isso fica ainda mais claro. Enquanto os unicórnios do Norte Global copiam e colam modelos de negócio, a gente aqui embaixo inventa do zero como fazer um Pix funcionar, como criar um sistema bancário digital que serve quem nunca teve conta em banco, como usar WhatsApp para vender de tudo.
A abundância brasileira não cabe em planilha. Ela está no abraço apertado que a gente dá quando encontra alguém, na mesa farta do domingo que sempre tem lugar para mais um, no terreiro onde o sagrado desce e dança com a gente.

Está na memória afetiva de um cheiro de comida que te leva para a infância, na roda de samba que vira terapia coletiva, na praia onde rico e pobre dividem a mesma areia e o mesmo sol.
Nossa abundância é emocional, espiritual, relacional. É a capacidade de transformar qualquer encontro em celebração, qualquer dor em música, qualquer luta em resistência criativa.
Enquanto o Norte global mede tudo em números e métricas de produtividade, a gente aqui embaixo sabe que riqueza de verdade está na conexão, na vivência, no que não se quantifica mas se sente no peito.
Mas tem uma escassez real que a gente precisa enfrentar com urgência: a escassez de autoestima coletiva.
a escassez que nos paralisa é a falta de crença em nós mesmos como protagonistas da nossa própria história.
A gente não se vê como potência porque fomos educados para olhar sempre para fora, para o "primeiro mundo" como referência do que é bom, do que funciona, do que vale a pena. Viramos especialistas em nos desvalorizar. Em achar que o que vem de fora é sempre melhor, mais sério, mais inovador.
Essa é a escassez que nos paralisa. A falta de crença em nós mesmos como protagonistas da nossa própria história. Enquanto a gente não resolver isso, vamos continuar exportando talento, vendendo empresa por uma fração do valor real e aceitando migalhas em troca da nossa abundância.
O futuro da tecnologia, da mídia e do marketing não vai ser construído só replicando fórmulas do Vale do Silício. Vai ser construído quando a gente entender que temos aqui as condições, a criatividade e a urgência necessárias para criar soluções que o mundo precisa.
Então fica a pergunta: quando é que a gente vai parar de se ver com os olhos de quem nos explora e começar a nos ver com os nossos próprios olhos?
