O efeito home office na cidade híbrida


Denize Bacoccina 4 minutos de leitura

Em setembro de 2020, poucos meses após o início da pandemia, quando os escritórios ainda estavam fechados e boa parte das empresas operava de forma remota, eu e o Clayton Melo escrevemos o relatório A Vida no Centro – A Casa e a Cidade, sobre os impactos que a pandemia teria na vida das pessoas em casa e nas cidades. Naquela época, já alertávamos para os efeitos, no longo prazo, na mobilidade urbana com o aumento do home office.

Dizíamos que, embora o trabalho remoto só fosse acessível a parte dos trabalhadores – os que atuam em funções digitalizadas, que podem ser realizadas a distância, o que obviamente exclui os trabalhos manuais –, uma parcela muito maior se beneficiaria do menor número de pessoas circulando pela cidade no horário comercial.

Menos carros nas ruas significa maior fluidez para os ônibus, e ônibus com menos passageiros nos horários de pico representam maior conforto para quem precisa se deslocar nesses períodos.

Sempre acreditei que o trabalho remoto, uma vez experimentado, cairia no gosto das pessoas. Já passei por experiências desse tipo algumas vezes, como correspondente internacional ou trabalhando para empresas sediadas fora do Brasil, com equipe em lugares diferentes, em fusos horários diversos e se comunicando de forma virtual.

Tudo funciona perfeitamente, desde que a empresa tenha processos de comunicação e gestão e as decisões não sejam comunicadas na sala do cafezinho, como acontece em muitos locais.

diversos profissionais abraçaram definitivamente o home office não querem voltar para o velho sistema.

Quando falávamos, há quase dois anos, que o home office teria efeitos na mobilidade e até no comércio local (pessoas trabalhando em casa consomem mais nos seus bairros), muitos foram céticos.

Agora, passado esse tempo, diversos profissionais abraçaram definitivamente o modelo home office (home não significa necessariamente a casa onde a pessoa vive, é uma expressão que pode ser ampliada para fora da sede da empresa e pode incluir um escritório compartilhado no bairro ou mesmo um café) ou híbrido. E não querem voltar para o velho sistema.

MODELO VEIO PARA FICAR

Apesar das declarações de empresários como Elon Musk, que no mês passado disse que todos os funcionários da Tesla deveriam voltar ao trabalho por pelo menos 40 horas semanais, pesquisas mostram que o modelo híbrido vem agradando. Levantamento da Microsoft mostra que, no Brasil, 58% dos profissionais consideram mudar para o trabalho híbrido ou remoto este ano.

E, embora não seja possível para todos, a opção já está sendo colocada em prática por boa parte do mercado brasileiro. Empresas que não oferecem flexibilidade já encontram dificuldade em contratar, especialmente em áreas mais disputadas, como TI.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado no fim de junho mostra que 20,4 milhões de pessoas no Brasil estão em ocupações com potencial de trabalho remoto, o equivalente a 24,1% do total de trabalhadores.

no Brasil, 58% dos profissionais consideram mudar para o trabalho híbrido ou remoto este ano.

E aí voltamos aos impactos coletivos. Em ocupações de modelo híbrido, muitos profissionais escolheram comparecer na empresa apenas três ou quatro dias por semana. Parece uma mudança pequena. Mas quem se lembra que, em São Paulo, existe o rodízio nos horários de pico (7h e 10h e 17h e 20h) justamente para tirar 20% da frota de circulação nesses momentos?

IMPACTO NO TRÂNSITO

Pois o impacto do trabalho remoto é bem maior. Dados da CET mostram que os congestionamentos na cidade de São Paulo caíram às segundas e sextas, neste ano, na comparação com os mesmos dias da semana em 2019 – antes da pandemia. Os números de maio mostram uma redução de 32% na lentidão do trânsito durante a semana, de uma média de congestionamento de 137 quilômetros para 93.

A queda foi maior às segundas e sextas, mostrando em

Às sextas, os congestionamentos diminuíram 35% na cidade de São Paulo.

números a percepção que muita gente teve de que a movimentação na cidade estava mais tranquila no começo e no fim da semana. Às segundas, a queda foi maior ainda: de 114 quilômetros de lentidão em 2019 para 65 neste ano. Às sextas, os congestionamentos diminuíram 35%, de uma média de 160 quilômetros de lentidão para 103.

A maior flexibilidade de horário de expediente também ajuda a reduzir o trânsito nos outros dias. Agora, as pessoas podem combinar uma parte da jornada em casa – reuniões online com pessoas em outros locais, por exemplo – com reuniões presenciais que começam mais tarde, evitando o horário de pico no trânsito.

É verdade que as sucessivas ondas de contaminação da pandemia fizeram com que diversas empresas adiassem a volta aos escritórios. Mas também é certo que muitas não voltarão nunca mais ao ambiente 100% presencial que tinham antes.

Especialistas em relações de trabalho não se arriscam a dizer qual o tamanho do modelo híbrido definitivo. Mas os impactos na cidade já estão presentes.


SOBRE A AUTORA

Cofundadora da plataforma A Vida no Centro, Denize é jornalista, especialista em redes sociais e comunidades e tendências de vida urba... saiba mais