O estouro da bolha de IA
As bolhas crescem, estouram e algumas deixam transformações profundas
O coro dos críticos do estado de desenvolvimento da tecnologia de inteligência artificial continua crescendo. Entre eles, o inteligentíssimo neurocientista Miguel Nicolelis, que propõe um desafio avassalador: o que acontecerá com a economia no momento de um inevitável desmanche dos sistemas de IA?
Como sou um explorador dedicado da tecnologia, me equilibro dando grande atenção àqueles que nos chamam para uma percepção menos entusiasta. No caso, uma percepção quase definitiva.
O desafio, publicado em um texto de sua autoria, é muito intrigante, embora eu não compartilhe do apetite pelo rompimento de uma “bolha da IA” – vivi o momento dramático do estouro da bolha da internet em 2000, literalmente do meio da confusão, para depois viver uma vida impensável e impossível sem internet. As bolhas crescem, estouram e algumas deixam transformações profundas.
No meu momento favorito do texto, ele cita um artigo na revista científica "Nature" do mês passado, no qual os autores apresentam um modelo de colapso para os sistemas generativos.
O modelo, que é interessante demais, se concretiza no momento em que os sistemas de IA passam a se alimentar e aprender de suas próprias abordagens e respostas moldados numa geração anterior, numa espécie de loop onde a diluição do conteúdo e a exclusão de novas informações são o destino inevitável.
Uma maldição, uma sina de morte aparentemente gerada pela atitude de dominação e monopólio. Um cenário onde a diversidade de pensamento e a criatividade humanas foram excluídas.
No artigo que publiquei na Fast Company Brasil no mês passado, provoquei os grandes desenvolvedores (como se eles fossem me dar atenção) a trazer mais diversidade cognitiva, mais diversidade de pontos de vista e mais pensamento divergente para seus modelos e plataformas. Mas talvez o posicionamento deles não seja apenas monopolista.
Talvez tenha a ver com evitar que a criação de “ruído” nos leve à falta de senso, ou evitar que a multiplicidade de visões dilua a assertividade das suas respostas, ou simplesmente evitar perder o foco de seus negócios. De qualquer maneira, parecem fechar as portas para outras estruturas de pensamento que garantiriam a longevidade de seus sistemas.
Nem tanto assim. Por exemplo, a área de pesquisa da IBM brasileira tem trabalhado diretamente com os povos originários, criando ferramentas para uso e fortalecimento das línguas indígenas usando dados de dicionários e teses de linguística. Dados que forem coletados no futuro para melhorar os sistemas serão protegidos, não serão incorporados aos grandes sistemas e pertencerão às populações indígenas.
Pelo menos um dos outros gigantes de IA estava há pouco em processo de formação de uma equipe de criação e desenvolvimento de ferramentas e experiências de temperamento local, aqui mesmo no Brasil.
os grandes desenvolvedores parecem fechar as portas para estruturas de pensamento que garantiriam a longevidade de seus sistemas.
Na outra ponta, a dos fazedores e usuários, o ambiente é promissor. Trabalho todos os dias, há alguns meses, com executivos de tecnologia que estão usando o desenvolvimento de IA para a redefinição de seus próprios negócios e dos negócios de seus clientes. Frequentemente, as mudanças, uma vez iniciadas, levam a um caminho bem mais radical de reformulação que um simples ganho de produtividade.
Junto comigo temos outros estrategistas, criativos e designers de várias ordens avançando suas expressões enquanto expandem os limites dos sistemas. O que vejo por todo lado, na ponta do uso criativo das ferramentas, são coisas lindas e muito poderosas nascendo dentro de uma microbolha de investigação das ferramentas.
Todo dia vejo alguma coisa nova, inspiradora, desafiadora. Vejo saltos qualitativos. Vejo culturas, marcas, modelos de negócios e mesmo indústrias serem amplificados, potencializados.
Tomara que um eventual estouro da bolha não carregue junto essas iniciativas genuinamente provocadoras e criativas. Acredito que já estamos inventando um novo modo de pensar.