O fim da criatividade como a conhecemos

Parte das práticas criativas podem estar perto do fim, mas a criatividade está longe de ser esgotada

Créditos: Benjamin Robyn Jespersen/ Unsplash/ tohamina/ Freepik

Mauro Cavalletti 2 minutos de leitura

Atuo profissionalmente há quase 30 anos na convergência da criatividade e da tecnologia. Vivi ativamente grandes mudanças de comportamento promovidas pela explosão da internet comercial, a disseminação dos smartphones e a revolução das plataformas sociais. Todos esses momentos abriram oportunidades criativas imensas.

Com a inteligência artificial não é diferente – veio quebrar paradigmas e abrir novos caminhos, desta vez com muito mais profundidade e velocidade. Não consigo imaginar um momento mais desafiador e oportuno para criativos, de qualquer disciplina, do que este em que vivemos.

Se a história se repetir como nos ciclos anteriores, a onda vai revelar classes emergentes de criativos com novas abordagens, novas narrativas, novos formatos. Mas também deve deixar no caminho um rastro de desmanche em práticas e negócios que não se ajustem à nova ordem.

Em uma entrevista no palco do Dartmouth College, Mira Murati, CTO da Open AI (empresa criadora do ChatGPT), ponderava que a democratização da inteligência artificial, ao longo do tempo, deve ajudar a expandir nossa imaginação, e portanto, nossa criatividade. É uma ideia linda, ousada.

Mas acabou incluindo um comentário em seu pensamento que fechou a conta de um jeito polêmico: “alguns empregos criativos podem desaparecer, mas talvez eles nem devessem existir, em primeiro lugar”.

A frase teve um impacto bombástico na audiência, colocando muita gente no modo reativo de  “luta-e-fuga”, gerando um fio com centenas de comentários na página do vídeo e dezenas de artigos na mídia especializada.

Não consigo imaginar um momento mais desafiador e oportuno para criativos do que este em que vivemos.

Quanto mais aplico ferramentas generativas em minhas práticas, mais acredito na possibilidade da expansão cognitiva apoiada pelos sistemas inteligentes. Mas penso que a "comoditização" do trabalho criativo, simplesmente, não será suficiente para nos levar a esse cenário.

Em minha enviesada opinião, os grandes desenvolvedores dos modelos de IA ganhariam muito pela inclusão de maior diversidade criativa em seus próprios times, de mais pensamento divergente em seus processos, garantindo que suas pesquisas e produtos alcancem muito além dos limites daquela criatividade racional que já exercem brilhantemente.

    Para a construção de um novo modelo cognitivo, a mesma diversidade criativa promovida de baixo para cima pela democratização da tecnologia deveria estar presente de cima para baixo na criação dos próprios sistemas. Precisamos urgentemente de novos cenários, de futuros brilhantes e provocadores, para que nossa criatividade seja realmente colocada em um trilho de evolução.

    Parte das práticas criativas, como conhecemos hoje, podem mesmo estar perto do fim. Mas a criatividade, em constante mutação, está longe de ser esgotada.


    SOBRE O AUTOR

    Mauro Cavalletti, designer de interações e experiências, escreve sobre a interseção da criatividade, design e novas tecnologias. É fun... saiba mais