O sistema come a cultura no almoço (parte II)

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Tiago Mattos 4 minutos de leitura

Na minha última coluna, fiz uma confissão. Por muitos anos, acreditei que as grandes transformações organizacionais começavam pela criação de uma cultura forte. Esse era o ponto chave. Só com uma cultura pró-inovação é que estaríamos abertos a um roadmap pró-inovação.

Como disse Drucker: "cultura come estratégia no café da manhã". De nada adianta planejar inovação se o que circula na corrente sanguínea da companhia não a endossa. Portanto, se é a cultura quem dita as regras da mudança, é para ela que pediremos bênção.

Mas nessa mesma coluna também confessei que, de uns tempos para cá, minha visão mudou. Certamente com uma boa dose de influência do provocativo "Thinking in Systems", de Donella Meadows. Hoje, entendo que tudo começa pelo sistema. Se a cultura come a estratégia no café da manhã, o sistema come a cultura no almoço. E ainda pede bis.

acredito que esse "pensar futuros" pode transformar significativamente as companhias. Especialmente as que viraram reféns dos resultados de curto prazo.

Deixem eu dar um exemplo bem didático. Vamos supor que uma determinada companhia, na melhor das intenções, cria um plano de participação nos resultados. Só que esse bônus está atrelado a decisões de curto prazo, não de longo.

O que você acha que (naturalmente) vai acontecer? Exatamente: mesmo que o time seja formado, na sua maioria, por pessoas afeitas a decisões mais estratégicas do que táticas, e mesmo que a soma dessas personalidades imponha uma cultura que vai além do imediatismo, essa queda de braço já tem vencedor.

Você verá muito mais gente mobilizada a pensar como bater a meta da próxima Black Friday do que a debater a estrutura web3 que substituirá o atual e-commerce. Engana-se quem pensa que é a cultura que está no controle. É o sistema.

Mas meu entendimento de sistema vai muito além dos incentivos. Como já comentei, acredito que ele é o guarda-chuva da gestão por ter uma forte conexão com as teorias gerais da administração (TGAs). Como o próprio nome diz, as TGAs são teses de como as nossas companhias podem ser estruturadas e geridas (o hardware e o software).

Há várias. Algumas mais focadas nos processos, outras na divisão das tarefas, outras nas relações humanas. O que surpreende é que a mais recente (a Teoria Contingencial) só ganhou o mundo a partir da década de 70. O que nos leva a uma reflexão quase óbvia: não está na hora de uma nova TGA? E, se está, qual seria a lente dessa nova proposta?

TEORIA DE FUTUROS

Dediquei alguns anos a esse trabalho exploratório em busca de uma resposta. E comecei, só agora, a dar os primeiros passos para uma teoria que poderíamos chamar provisoriamente (e despretensiosamente) de ‘Teoria de Futuros’. São 12 passos:

0. Sistema Pró-Ruptura

1. Impermanência Propositiva

2. Repertório Multidimensional Para Futuros

3. Perspectiva Futures-Back

4. Beta do Business-as-unusual

5. Modelagem do Business-as-Unusual

6. Diversificação Pós-Digital

7. Intraempreendedorismo Orgânico

8. Venture Builder de Objetos do Amanhã

9. Pacto Anti-Bullshitagem

10. Cultura Antecipatória

11. Reboot Button

Comecemos do início: por que Teoria de Futuros? Há, pelo menos, duas boas respostas. A primeira é mais filosófica. Se analisarmos a prática empresarial em inovação, podemos facilmente agrupá-las em três tipos: incremental, adaptável e ambidestra.

Nas duas primeiras, estamos falando de presente. Na terceira, estamos falando de futuro. Em nenhuma delas estamos falando de futuros, no plural. Se essas três hipóteses não estão nos levando aos resultados que esperamos, por que não tentar uma quarta?

De nada adianta planejar inovação se o que circula na corrente sanguínea da companhia não a endossa.

A segunda resposta é um pouco mais pragmática: o "pensar futuros" talvez seja, hoje, a skill mais importante que uma liderança precisa ter. E quem afirma isso não sou eu, mas o Fórum Econômico Mundial.

Em setembro de 2020, foram listadas as quatro habilidades cruciais para o mundo pós-pandemia. No alto desse pódio esticado raiava "futures literacy" (que, em tradução livre, poderia ser chamado de "letramento em futuros").

Particularmente, acredito que esse "pensar futuros" (amplificado para uma potencial Teoria de Futuros) pode transformar significativamente as companhias. Especialmente as que viraram reféns dos resultados de curto prazo (e dos consequentes incentivos de curto prazo). Digo isso porque já vi acontecer na prática. Mais de uma vez.

Só que essas histórias terão que ficar para uma terceira parte. No mês que vem, prometo começar a aprofundar esses 12 itens, fazendo um paralelo com os modelos atuais (focados no presente) e essa nova proposta (focada em futuros).

Até lá, aproveite para exercitar um jejum intermitente. Deixe o café da manhã e o almoço para os apressados.


SOBRE O AUTOR

Co-fundador da Aerolito, Tiago é internacionalmente conhecido como um expert em futuros. É membro do corpo docente da Singularity Uni... saiba mais