Onde pulsa a alma da inovação e da criatividade por trás dos casos de sucesso?

Crédito: :BsWei/ iStock

Paulo Emediato 5 minutos de leitura

Quem acompanha a Fast Company Brasil conhece bem as histórias de sucesso, tanto em campanhas criativas quanto em jornadas de produtos, serviços e negócios inovadores.

Intuitivamente, podemos pensar que essas jornadas surgem de um momento de inspiração da liderança ou como fruto de uma troca entre as equipes de determinada marca. Às vezes isso é verdade, mas, enquanto as empresas reivindicam inovações revolucionárias, o mecanismo por trás dessas ideias muitas vezes se origina fora de suas paredes.

Rankings e premiações que destacam empresas e cases, tanto em inovação quanto em criatividade, pintam um retrato curioso. Por mais que sejam assinados por corporações e

Não é incomum que a gestão corporativa se encontre espremida entre a visão estratégica da sua liderança e a execução especializada na mão de terceiros.

brand owners, o processo que um dia já foi mais elaborado dentro de casa, hoje acontece em outro lugar, levando a inteligência criativa para as mãos de consultorias e agências, que pensam e executam em nome de seus contratantes. É fácil se acostumar com a comodidade de sempre contar com "alguém para transformar suas ambições em realidade". 

Ainda mais curioso é que, por consequência do efeito manada, boa parte dos resultados e soluções mais criativas, viabilizadas por grandes marcas, acaba centralizada mais ou menos nas mãos dos mesmos players.

Alguns desses agentes parecem monopolizar o espaço, tornando-se os queridinhos "go-to" para empresas que buscam se destacar. Essa centralização sugere que as próprias empresas, pouco a pouco, tornam-se atores secundários em suas narrativas. 

Disclaimer importante: a intenção aqui não é criticar gratuitamente ou apontar dedos. Conhecemos exemplos tanto de mentes criativas brilhantes nas agências e consultorias quanto de clientes e equipes visionárias, no lugar de contratante.

Não dá para subestimar a qualidade dos serviços prestados por especialistas inteiramente dedicados a determinadas missões. No entanto, frente aos cada vez mais raros casos de autonomia no desenvolvimento interno, quais são os dilemas da terceirização da inteligência, criatividade e inovação organizacional? 

DELEGANDO OU "DE-LARGANDO"

Sempre foi assim? Talvez, porém mais no caso de conhecimentos e habilidades hiper especializadas. O que começou por uma opção de suporte bem específica, hoje representa um mercado gigantesco em uma relação simbiótica, que sempre traz efeitos colaterais. Ao invés de facilitar as capacidades organizacionais transformou-se, inadvertidamente, quase num processo de desapropriação da inteligência interna.

Não é incomum que a gestão corporativa se encontre espremida entre a visão estratégica da sua liderança e a execução especializada na mão de terceiros. Tornam-se gestores de expectativas, administradores de contratos e reguladores de performance. Uma aliança estratégica vira dependência, mais "delargada" do que delegada ou compartilhada.

A paradoxal consequência dessa terceirização é que, enquanto consultorias proliferam e se beneficiam de um fluxo constante de aprendizados, as corporações desaprendem por uma espécie de atrofia relativa, privadas de exercitar suas potencialidades e promover sua curva interna de desenvolvimento, que só acontecem com a prática, a tomada de riscos e a experimentação.

Em uma economia orientada por desafios cada vez mais complexos, a capacidade criativa para inovar é um diferencial estratégico valioso demais para estar tão fora de casa.

Assim, até colhem os méritos pelos resultados e podem se beneficiar do resultado dos projetos, mas vão perdendo a capacidade natural, uma vez que há sempre alguém fazendo o trabalho por elas. Tal tendência pode se estender por diferentes áreas de uma organização, mas pesa ainda mais nos trabalhos criativos, em inovação e estratégia, ocasionando uma frustração que empurra talentos para a carreira em consultoria. 

Vemos agências e consultorias, numa trajetória ascendente, ampliando suas bases de conhecimento, inclusive sendo mais atrativas aos talentos e exercendo certo domínio no mercado. Por outro lado, o crescimento acelerado leva a um modelo quase pasteurizado de atendimento, com algum grau de acomodação em respostas prontas e frameworks que possibilitem o ganho de escala em suas operações. Tornam-se plataformas potencializadas e retroalimentadas por seus próprios clientes.

Mas, se diversas empresas recorrem a um mesmo conjunto de consultorias ou agências de referência, surgem algumas preocupações: Como garantir a singularidade dos caminhos propostos para diferentes demandas? Quem define as prioridades entre clientes com agendas semelhantes ou concorrentes? Será que o que vai pesar é a lógica comercial de "quem paga mais"? 

RESGATE DA ESSÊNCIA 

Quando a alma criativa de uma estratégia é gerada e conduzida externamente, as empresas abrem mão de parte da sua identidade. É fundamental reavaliar a relação entre consultorias, empresas e agências, garantindo o engajamento intelectual e o reforço daquilo que é inegociável na cultura da organização, bem como o desenvolvimento dos talentos internos.

Não vejo que a solução seja simplesmente internalizar tudo novamente, mas talvez rebalancear a relação, onde parceiros complementam, mas não substituem as habilidades e conhecimentos instalados nas pessoas da organização. As empresas precisam resgatar seu lugar e sua atratividade como ambiente de aprendizado e criação, junto com os fornecedores. 

Quando a alma criativa de uma estratégia é gerada e conduzida externamente, as empresas abrem mão de parte da sua identidade.

Em uma economia orientada por desafios cada vez mais complexos, a capacidade criativa para inovar é um diferencial estratégico valioso demais para estar tão fora de casa. Empresas que se apoiam excessivamente em players externos podem se encontrar em uma posição precária, com maior grau de exposição e dependência. 

A conciliação do olhar para dentro e para fora em um equilíbrio entre inspiração externa, paixão interna e qualidade técnica precisa estar entrelaçada em todos os níveis de uma organização, desde a alta liderança até a linha de frente.

Quando o desafio fica nas mãos de terceiros, atrofiamos essas habilidades em função de um pragmatismo e da conveniência que gera mais resultados em curto prazo, mas empobrece e inibe as capacidades internas ao longo do tempo. Há muita gente boa demais para permanecer apoiada em suportes que não precisam, simplesmente fazendo essa roda girar.

Da mesma forma, fornecedores menos onipresentes e mais permeáveis podem cocriar resultados com maior grau de customização e profundidade. Sempre acreditei na máxima: "cliente bom ajuda um fornecedor médio a ter entregas fenomenais, enquanto cliente ruim conquista resultados medíocres, mesmo atendido pelos melhores".

Tudo o que foi dito aqui reforça a necessidade de repensarmos maneiras de operar em conjunto e equacionar alianças. Mas isso é assunto para uma próxima coluna. Um abraço e até o mês que vem.


SOBRE O AUTOR

Paulo Emediato vivencia a inovação na prática, de diferentes formas, desde 2012. Com mais de 15 anos de experiência corporativa, já em... saiba mais