Para onde vamos agora? Ou: para onde nos levaremos?

Crédito: Mirsad Sarajlic/ Getty Images

Ana Bavon 3 minutos de leitura

Os ventos que sopram dos Estados Unidos carregam uma promessa perigosa: o desmonte da agenda de Direitos Humanos sob a retórica de uma meritocracia que, na prática, privilegia os já privilegiados e exclui os vulneráveis.

A recente declaração de Donald Trump, prometendo o fim de programas de diversidade e inclusão, ecoa como um alarme global. Não se tratam apenas de palavras de campanha, mas de uma visão de mundo que pretende apagar décadas de luta por justiça social, igualdade e equidade.

Essa promessa de governo transcende as fronteiras da política doméstica americana e encontra um aliado poderoso no setor das Big Techs. Gigantes como Meta, Amazon e outras, historicamente, têm lucrado com a perpetuação de desigualdades estruturais, enquanto moldam o discurso público e monopolizam o acesso à informação.

Há anos venho repetindo que quanto mais disruptiva é uma solução tecnológica, maior é sua responsabilidade social. Porém, o que enxergamos na realidade de fato é o domínio de uma ideologia excludente sobre uma sociedade intelectualmente sequestrada. Quando a concentração de poder político encontra respaldo no domínio tecnológico, o impacto não é meramente econômico ou corporativo: é existencial.

Essa transformação da subjetividade humana é marcada por um fenômeno que abordei na coluna de dezembro “Brain Rot e o futuro do passado“. A superexposição a conteúdos efêmeros e muitas vezes manipulados, promovida pelas plataformas digitais, corrói a capacidade de reflexão crítica e alimenta uma ansiedade constante pelo consumo imediato de informação.

Essa “podridão cerebral” não é apenas um subproduto da economia de atenção; é uma ferramenta de controle. Quando o acesso ao conhecimento é mediado por interesses econômicos e políticos, aquilo que deveria libertar torna-se instrumento de subjugação.

A meritocracia exalada nesse projeto é falha em sua essência porque ignora o ponto de partida desigual. Enquanto milhões enfrentam barreiras impostas por séculos de exclusão sistêmica, os poucos no topo se utilizam da ideia de mérito como uma desculpa para preservar seus privilégios.

Na América Latina, sabemos bem como isso funciona: uma história de colonialismo e desigualdades sociais arraigadas nos ensina que, sem a equidade, a meritocracia é uma ficção cruel. Ficção essa que se consolida no retrato funesto de uma “meritocracia digital” comandada por bilionários com delírios de poder, pois o que realmente se consolida é uma paisagem onde algoritmos, mercados e interesses políticos determinam quem somos, o que desejamos e como percebemos o mundo.

Sob a ameaça dessa agenda, cabe à América Latina e à Europa um papel central. Somos territórios historicamente marcados pela resistência – seja pela memória dos movimentos sociais que lutaram contra ditaduras ou pelo compromisso com os direitos humanos inscritos em tratados internacionais. No entanto, essa responsabilidade não é apenas moral, é estratégica.

Enquanto a América Latina sente em todas as esferas  as consequências das políticas globais – seja na exploração de seus recursos naturais, na migração forçada ou na violência contra grupos minorizados –, a Europa ocupa uma posição que pode ditar tendências globais. Políticas públicas progressistas adotadas pela União Europeia têm potencial para inspirar e proteger o avanço social. Mas isso exige coragem para enfrentar os gigantes corporativos e políticos que desafiam os fundamentos da equidade.

Se o governo Trump coloca em risco a agenda de Direitos Humanos, é porque ela nunca foi completamente assegurada. Avanços são frágeis em um mundo onde o poder está concentrado nas mãos de poucos, e a tecnologia é usada para silenciar, vigiar e excluir. Contudo, há uma chance de reverter essa narrativa, e ela passa por ações coletivas que unam governos, sociedade civil, e empresas comprometidas com a transformação.

“Para onde vamos agora?” é uma pergunta que não pode ser respondida com resignação. Vamos na direção da justiça, mas isso exige mais do que palavras. Exige luta, exige a coragem de desmantelar estruturas que lucram com a desigualdade e a ousadia de construir diálogos radicalmente humanos.

Que América Latina e Europa não apenas resistam, mas liderem. Pois, se nos mantivermos na posição de espectadores, seremos não apenas cúmplices de um mundo que abraça a exclusão como destino, mas agentes condutores do atraso e algozes de nosso próprio amanhã.


SOBRE A AUTORA

Ana Bavon é advogada, fundadora, CEO e Head de Estratégia da B4People. Com clientes como Gol Smiles, Bayer, Basf, Alpargatas, Raízen, ... saiba mais