Pequeno guia para aliados da diversidade
Uma constante nos meus trabalhos de consultoria é o pedido para que ajudemos a empresa a fazer as pessoas aliadas enxergarem a importância da diversidade e inclusão. Arriscaria afirmar que a maioria dos projetos começa por aí.
Afinal, parece óbvio: quem vivencia os processos danosos de menos diversidade e menos inclusão são, justamente, aquelas e aqueles pertencentes aos chamados “grupos sociais diversos”. Portanto, estarão usualmente na linha de frente na compreensão e ação destas pautas.
O ponto, que também deveria parecer óbvio, é que vivemos em uma sociedade só. Aquela empresa que quer ter “mais diversidade e inclusão” é uma empresa só! Portanto, a ação sobre essas pautas só funcionará de verdade se houver compreensão de todo mundo que está nela – e não apenas das “pessoas óbvias”.
E é aí que entra o conceito de aliadas e aliados.
Claro que existe uma interessante problematização sobre o termo em si. Afinal, colocar-se numa posição de “aliado” pode significar, a depender da tradução disso no comportamento, dizer que aquele problema não é necessariamente seu, mas você “está junto!”. E, spoiler: problemas de falta de diversidade e inclusão são de todas e todos nós.
Salvo esta questão, pessoas aliadas são aquelas que não necessariamente pertencem identitariamente aos grupos sociais diversos, mas agem lado a lado. São homens que atuam ativamente na redução do machismo e sexismo. São pessoas brancas que combatem intencionalmente o racismo. Heterossexuais que entendem seu papel na luta contra a LGBTfobia, pessoas sem deficiência que atuam contra o capacitismo, e por aí vai.
No entanto, é preciso atenção. A incrível Tiffany Jana, escritora e consultora global sobre o tema, diz que “um dos aspectos mais críticos sobre inclusão é que ela precisa acontecer ativamente. Quando apenas pensamos em nós mesmos como 'boas pessoas', mas não fazemos nada para ativamente incluir outras pessoas, isso cria uma exclusão passiva”.
Por isso, essa semana acordei inspirado a ajudar você, pessoa aliada em diversidade e inclusão, a fazer suas ações acontecerem de forma mais ativa, prática e verdadeira.
Aqui, nosso Pequeno Guia para Aliados da Diversidade:
1 . Passe a autodeclarar suas identidades quando for apresentar-se pela primeira vez em reuniões, palestras e afins. Este não é um comportamento restrito apenas a pessoas negras e LGBTQIA+, por exemplo, para autoafirmação de seu orgulho. Também funciona como expressão de sua compreensão sobre o que suas identidades querem dizer.
um dos aspectos mais críticos sobre inclusão é que ela precisa acontecer ativamente.
Quando você se apresenta como, por exemplo, “sou um homem cis, branco, pai da Vitória”, transmite duas mensagens importantes: primeiro, não universaliza sua cisgeneridade e sua branquitude – pelo contrário, você as marca, as identifica, porque cisgeneridade e branquitude não são a norma aparentemente estabelecida, enquanto uma “pessoa trans” e uma “pessoa negra” são “as outras pessoas”. Segundo, você automaticamente demonstra que está um passo além na compreensão do que essas identidades significam (acredite, autodeclarar-se é um processo fundamental nesta compreensão).
2 . Mas não rola autodeclarar-se de forma sempre acompanhada daquele qualificador “por isso eu sei que sou uma pessoa privilegiada / cheia de privilégios / etc”. Todo mundo já sabe disso! Identificar-se como uma pessoa branca/ cis/ heterossexual/ sem deficiências é identificar-se automática e implicitamente como uma pessoa privilegiada estruturalmente.
Cuidado, porque muitas vezes a verbalização desse “privilégio” demonstra mais seu interesse (talvez inconsciente?) em reforçar a existência do mesmo do que sua intenção genuína de apenas declarar suas identidades sociais como um marcador de seu lugar de fala.
3 . Se estiver dando sua opinião ou contando uma história sobre pautas raciais, não precisa direcionar seu olhar e atenção para a única pessoa negra na sala. Se estiver comentando aquele aprendizado sobre capacitismo, não precisa virar-se apenas para aquele colega com deficiência na reunião. Você quer incluir, mas está excluindo: qualquer um desses temas, assim como todos os outros, são importantes para todas as pessoas presentes naquele momento.
4 . Se você é uma pessoa aliada, é muito provável que já esteja historicamente acostumada a ser ouvida. A não ser muito questionada. Então, desça do pódio. Temas de diversidade e inclusão podem ser novos para você, você vai falar e fazer besteira, e vai ter gente de olho nisso para te apontar. Escute essas pessoas. Não vai adiantar adotar o mesmo comportamento que está acostumado: o de não ser questionado. Você será questionado. Conviva bem com isso :)
5 . Aliás, há outro comportamento clássico de pessoas aliadas que estão historicamente em posições de privilégio estrutural: o de ter o protagonismo. É você quem normalmente fala e as pessoas escutam.
Aja publicamente! Diversidade e inclusão não é mais tema tabu.
Mas, se quer ser um/a aliado/a, é hora de observar: será mesmo que você precisava ter dominado aquela reunião sobre um tema que sua colega lésbica saberia conduzir perfeitamente bem? Será que precisava ter puxado (mais uma vez…) a decisão final naquele projeto que o colega negro já tinha tanta clareza de contexto?
6 . Aja na surdina. É, você leu corretamente! Sabemos que nem sempre você trabalhará numa empresa super madura nos temas de diversidade, em que tem uma cultura estimulada para a inclusão. Mas sempre terá alguma autonomia.
Perdeu aquela briga de contratar uma mulher preta para uma vaga na sua equipe? Que tal, então, procurar produtoras pretas para o próximo serviço externo que conduzirá? Trabalha sempre com a mesma agência com equipe formada por homens heterossexuais? Que tal investigar um novo fornecedor com mais diversidade no time? Você faz muitas coisas no seu dia-a-dia. Em alguma já dá para ser mais aliado na prática, vai…
7 . Aja publicamente! Diversidade e inclusão não é mais tema tabu. Não há empresas que não estejam falando sobre isso. A diferença está no grau de maturidade, claro. Portanto, aproveite esta onda para trazer o assunto à tona.
Pergunte ao RH ou departamento responsável, em ocasiões oportunas (apresentação de resultados, lançamento de novos projetos, reunião de equipe, treinamentos etc): como andam as metas sobre diversidade? Qual projeto temos para isso? Como você pode ajudar nisto? Não é sobre expor ou cobrar ninguém: é sobre gerar movimento real a partir de sua posição como pessoa aliada.
8 . Aliás, coloque em prática aquele 1 aprendizado que você teve no último workshop de três horas ou naquele livro de 200 páginas que leu mês passado. Diversidade e inclusão tem centenas de assuntos, tópicos, temas… Tá todo mundo aprendendo mais e mais, o tempo todo. E estou certo de que, ao longo dos últimos anos, ao menos uma coisa você aprendeu. Mas o quanto ela ficou apenas na sua cabeça, e menos nos seus comportamentos?
9 . Vai fazer uma entrevista? Pergunte à pessoa candidata
invista algum tempo para entender sobre as leis que suportam a busca por equidade no ambiente corporativo
“como eu te chamo e quais pronomes eu uso?”. Além de possibilitar que pessoas trans e não-binárias se sintam mais confortáveis, você também agirá em prol de maior inclusão caso esteja falando com pessoas cisgênero. Afinal, pessoas cis não estão acostumadas a identificar sua cisgeneridade (porque ela “é óbvia, né?”), mas esse também é um processo fundamental para uma cultura mais inclusiva.
10 . Especialmente se estiver em um cargo de liderança, invista algum tempo para entender, de forma autônoma ou com ajuda do RH, sobre as leis brasileiras que suportam a busca por equidade no ambiente corporativo. Se você mora neste país, você e sua equipe estão sujeitos/as à esta legislação antidiscriminatória.
11 . Tes-te-mu-nhe! Auxilie colegas ou pessoas de seu time que tenham sofrido e/ou reportado situações de discriminação a contar com apoio psicológico e a denunciar nos canais apropriados. Ajude no acompanhamento da solução. Um dos papéis mais úteis de pessoas aliadas é não ignorar situações reais de discriminação vivenciadas por outras pessoas no ambiente de trabalho.
12 . Colabore no chamado “senso de pertencimento”. Ele acontece em vários pontos de contato na rotina de trabalho. Por exemplo: você está prestando atenção nas pessoas, em todas elas? Ou só escuta e concorda com a cabeça quando alguém parecido com você está defendendo uma ideia?
Quando alguém com uma orientação sexual ou raça diferente da sua está liderando um projeto ou propondo uma nova solução, você está ouvindo aquela pessoa ou mexendo no celular, porque a opinião dela importa menos? A inclusão não acontece apenas ao contratar pessoas, ela é, essencialmente, uma dimensão das pequenas ações no dia-a-dia.
13 . Sane suas dúvidas. Elas serão muitas, e fazem parte de seu aprendizado. Talvez você goste de ouvir podcasts e ler sobre os temas, mas busque também conversar mais ativamente com pessoas do RH, de grupos de afinidade e, principalmente, de seu círculo pessoal!
14 . Observe seus comportamentos no dia-a-dia de convívio e de trabalho em projetos com seus pares diversos. Há alguma adaptação no seu comportamento que poderia tornar a convivência ou o desempenho de sua/ seu colega melhor?
A inclusão é, essencialmente, uma dimensão das pequenas ações no dia-a-dia.
Tem uma colega mãe de uma criança pequena e, talvez por isso, se sente mais sobrecarregada que você em uma determinada tarefa? Há algo que possa fazer sobre isso? Você convive com um colega cadeirante? Que tal procurar sentar-se na mesma altura que ele, quando tiverem interações mais longas, para gerar mais conforto?
15 . Se você achar que uma piada que sempre fez parece ofensiva, é porque, provavelmente, é. Se algum colega te corrigir ou chamar sua atenção sobre uma piada ofensiva, é porque ela provavelmente é. Somos criativos demais para ficar presos a piadas que se desatualizaram e só trazem constrangimento para algumas pessoas, né? Você é capaz de atualizá-las sem que ofendam alguém, estou certos disso.
16 . Defenda as pessoas. Nem todo mundo se sente confortável em sair em sua própria defesa, e algumas dessas pessoas apenas precisam de uma ajuda. Essa ajuda pode ser você.
17 . Entenda que sua realidade não é a realidade do mundo. Sua experiência pessoal não deveria ser definidora de como você espera que as pessoas interpretem o mundo. “Ter uma irmã” não te torna uma pessoa potencialmente menos machista, ter “um grande amigo negro” não te torna uma pessoa potencialmente menos racista. Apenas te faz ter uma irmã e um grande amigo negro! Use o vasto conhecimento disponível para entender essas diferenças, nuances e rever, de forma madura, seus vieses e comportamentos.
18 . O mesmo vale para pessoas que fazem parte dos grupos
Defenda as pessoas. Nem todo mundo se sente confortável em sair em sua própria defesa.
sociais diversos. Talvez você seja um homem gay e, muito possivelmente, tenha vivenciado situações de preconceito e discriminação ao longo de sua vida. E, talvez, você seja um homem gay branco, cisgênero, de classe alta, que tenha estudado em boas escolas, que contou com apoio emocional familiar quando saiu do armário e que, hoje, é gerente ou diretor na sua empresa.
Sua experiência pessoal não deve ser a balizadora da “experiência de colaboradores LGBTQIA+”. Observe o quanto você mesma/o pode não apenas estar replicando certos comportamentos discriminatórios (estamos em uma sociedade só!), como invisibilizando questões mais profundas vividas por colegas apenas porque “você não as viveu”.
Ser uma pessoa aliada é como viajar para um lugar novo.
Diferentemente daquele lugar a que você se acostumou, confortável e previsível, este exigirá um pouco mais de pesquisa, de estudo e de busca por informação. Este te trará surpresas não previstas, talvez um ou outro perrengue, mas muita coisa nova e prazerosa.
Acredito que você sairá desta viagem com muito mais repertório, mais referência, mais conhecimento e, com certeza, como um ser humano melhor.