A sobrecarga sensorial como anestesia: por que precisamos de barulho para suportar o silêncio?

Por que lidar com o silêncio é tão difícil? Enfrentá-lo é como um processo de subverter a lógica de como as coisas funcionam hoje

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Genesson Honorato 3 minutos de leitura

“Às vezes, o som do silêncio faz um barulho imenso.” Ouvi essa frase há um tempo de uma pessoa próxima. Havíamos acabado de chegar no lugar onde passaríamos o final de semana e, de fato, havia um silêncio ensurdecedor – um vazio sonoro daqueles que a cidade grande raramente permite.

Fiquei pensando sobre como nós, diariamente, buscamos sobrecarregar nossos sentidos para anestesiar pensamentos e até abafar parte do que somos.

Percebi que, nos últimos anos, tenho preenchido meu dia de barulho, como quem enche um copo até transbordar. É podcast no banho, vídeo enquanto lavo a louça, notificações que não param de pipocar no celular, música enquanto estudo e leio.

No fundo, é como se a gente precisasse de uma trilha sonora constante para existir. Mas, cá entre nós, isso não é apenas sobre entretenimento. É também sobre fuga, sobre lidar com o silêncio!

Silêncio incomoda. Controvérsia maior? Não existe! Pessoas que passaram pela experiência da câmara anecóica (construções elaboradas para se anular completamente os ruídos externos) relatam uma sensação de desconforto intenso nos primeiros minutos, algumas até desistem. Por quê? Porque, no silêncio, não há para onde correr. Ali é você, sua mente e a necessidade de enfrentar o que aparecer, inclusive, a nós mesmos.

Por que lidar com o silêncio é tão difícil? Enfrentá-lo é como um processo de subverter a lógica de como as coisas funcionam hoje.

Onde quer que vamos, o barulho está lá: no elevador do trabalho, nas notificações das redes sociais, no som estrondoso que sai dos escapamentos dos automóveis, sem falar nas marteladas das contínuas obras que se espalham por todos os cantos da cidade. É tanto barulho ao nosso redor que, para abafá-lo, recorremos a ainda mais ruído. No entanto, lidar com o silêncio é fundamental.

Talvez, só de listar essas fontes de barulho você também pense em como são tantos e por toda parte que já não os percebe. E é por causa de toda essa agitação que buscamos anestesiar nossa mente e fugir, se possível, para bem longe dos pensamentos.

Em "Stutz", documentário de Jonah Hill sobre seu terapeuta, Phil Stutz, ele traz reflexões sobre o poder da mente e alerta para a necessidade de lidar com pensamentos em vez de fugir deles.

APRENDENDO A LIDAR COM O SILÊNCIO

Precisamos enfrentar a verdade de que fugir não é uma solução, nem mesmo uma possibilidade viável!

E isso é um pouco sobre a história que nos contaram de que era preciso estar sempre aprendendo, lendo, produzindo, ouvindo e consumindo, já que era este movimento constante que nos levaria a algo maior e melhor.

Só que isso, em algum momento, se tornou FOMO. Lembra? O medo de ficar de fora? Mas precisamos lembrar que, às vezes, a melhor forma de garantir uma vida produtiva é ficar de fora, mesmo. Enfrentar FOMO também é lidar com o silêncio.

É tanto barulho ao nosso redor que, para abafá-lo, recorremos a ainda mais ruído.

Quando a anestesia passar e a fuga não for mais suficiente, não haverá para onde ir. Por isso, estar diante do silêncio é permitir que o momento presente seja aproveitado, que se revelem outras faces, que o pensamento esteja sob nosso controle e que as conclusões sejam baseadas em um pensamento profundo e organizado. Lidar com o silêncio pode ser revelador.

Parar de buscar a próxima música, ou o podcast do momento ou a série do momento pode ser o início de um caminho para quem quer se conhecer mais, para aproveitar o tempo que temos e se deliciar no pequeno deleite do pseudo silêncio urbano.

Hoje vou buscar o meu silêncio, ainda que seja na correria do dia, ao som das buzinas, mas não dando o play em nada. Apenas viver. O que ficou, ficou. FOMO hoje não me pega, mais me interessa o JOMO, a alegria de estar de fora.

Como bem disse o poeta Gilberto Gil, “o melhor lugar do mundo é aqui e agora” e, para chegar lá, só enfrentando nossos ensurdecedores silêncios. Lidar com o silêncio é um desafio.

 Até a próxima.


SOBRE O AUTOR

Genesson Honorato é psicólogo com olhar para a psicanálise, tem formação em Marketing e Design Digital pela ESPM e MBA em inovação pel... saiba mais