Precisamos proteger os sonhadores

Crédito: Tanatpon Chaweewat/ iStock

Juliana de Faria 3 minutos de leitura

Como fazer mudanças radicais em um mundo que não quer mudar? A resposta está nas pessoas audaciosas o suficiente para imaginar radicalmente futuros alternativos. Porém, como disse na minha coluna de estreia aqui na Fast Company Brasil, “sonhar é uma afronta ao status quo”. Não é à toa que todos os dias tentam nos tirar esse superpoder. Por isso, é imperativo que protejamos os sonhadores. 

Síndrome de Cassandra:  um dos principais desafios dos sonhadores

Cassandra é uma personagem da mitologia grega que recebeu de um apaixonado Apolo, o deus grego da profecia, o dom de ver o futuro. Como ela não se mostrou romanticamente interessada, a divindade acaba amaldiçoando: suas previsões seriam verdadeiras, mas ninguém acreditaria nela, tachando-a de louca.

Cassandra, pintura de Evelyn De Morgan (1898)

Cassandra pôde prever a queda de Tróia e, consequentemente, a morte de muitos de seus habitantes, mas ninguém a levou a sério até que fosse tarde demais. 

Importante ressaltar aqui que as pessoas visionárias de quem falo não preveem o futuro, é claro. Elas são indivíduos que, a partir de uma visão inovadora, conseguem enxergar um novo mundo. E percorrem um caminho até que essa visão, de fato, se torne o futuro. Ou, nos melhores casos, o presente.

A grande lição que tiramos da síndrome de Cassandra, identificada por mim ao conviver entre pessoas que imaginam radicalmente, é: do que vale um visionário se não há ninguém para compartilhar seus vislumbres de futuros possíveis? 

A arte de contar histórias para manter os sonhos vivos coletivamente

O processo de transformar a imaginação radical em uma proposta de novo mundo exige muita estratégia, planejamento, operação... Talvez tenhamos que preencher mais planilhas de Excel do que um dia achamos ser possível.

Mas se de fato quisermos povoar este mundo que estamos imaginando com outros indivíduos que acreditam em nosso sonho – e podem nos ajudar a lapidá-lo –, precisamos de mais do que isso.

Precisamos de um excelente poder de contar nossas histórias. 

As palavras transformam sonhos em propósito e em missão. E a visão de futuro que estava dentro de nós passa a existir também para as outras pessoas.

Eu vi um futuro diferente. E embarcaram na minha história

Dez anos atrás, vi uma amiga reclamando de ter sofrido importunação sexual nas ruas de São Paulo. Foi a primeira vez que testemunhei uma mulher falar sobre isso publicamente e imaginei algo impossível.

E se nem mais um "fiu fiu" fosse algo aceito na nossa sociedade?

Era impossível porque me diziam que isso fazia parte da cultura. Não existia nem lei que definisse esse abuso de direito. E também porque grande parte das pessoas nem queriam ou nem achavam que queriam que essa mudança acontecesse.

Isso não me impediu de ver um futuro diferente. Sonhei com esse mundo e contei sobre ele em uma campanha chamada "Chega de Fiu Fiu". Outras pessoas embarcaram na ideia e, a partir disso, tiveram outras ideias ainda maiores do que eu havia imaginado. 

Na soma dessas forças conseguimos chegar em uma nova realidade, como a criação da lei da importunação sexual em 2018 e da lei do assédio sexual em empresas, no semestre passado, entre muitas outras ações incríveis e poderosas que transformam o impossível cada dia mais em possível.

Escreva. Escreva já! 

Se você se identifica com esse texto, o que tenho a dizer é: a qualquer vislumbre de futuros alternativos e de novos mundos, escrevam sobre isso imediatamente. Coloquem em palavras. Afinal, se não há ninguém contando as histórias que queremos ouvir, contemos nós mesmos.


SOBRE A AUTORA

Juliana de Faria é jornalista, escritora e pós graduada em neurociência e comportamento. Está à frente do Estúdio Jules, consultoria c... saiba mais