Ser sensível é ser humano

Por muito tempo, acreditei que a sensibilidade, especialmente no ambiente de trabalho, era uma fraqueza. Mulheres líderes me mostraram a força que existe em ser assim

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Juliana de Faria 4 minutos de leitura

Encontrei há pouco tempo no LinkedIn uma vaga em marketing que buscava alguém com os requisitos tradicionais – conhecimento e experiência, “habilidade em lidar com pessoas”, “visão de dono” – e um traço peculiar, que eles associavam a buscar resultados: “zero sensibilidade”.

Não sei se diria que fiquei perplexa – afinal, o choque seria uma demonstração minha de sensibilidade, o que aparentemente diminui meus créditos no “mercado de trabalho”. Mas acabou sendo uma oportunidade para pensar no quão mal entendida é a sensibilidade e no altíssimo custo dessa incompreensão. 

Para começar, a sensibilidade tem sentidos variados e aqui me focarei em dois – ambos essenciais para qualquer empresa de alto desempenho. O primeiro está relacionado à percepção: a olhar, sentir e entender o que está ao redor.

Um funcionário sem sensibilidade é alguém que cria soluções a partir de sua lógica própria, sem dar qualquer importância ao que acontece na realidade. Nesse sentido, na maioria das tarefas, é impossível atingir resultados sem ter sensibilidade.

O segundo sentido (que talvez seja aquele ao qual a vaga fazia alusão) é trazer essas percepções para a ação. Uma pessoa com sensibilidade no trabalho traz diversas emoções, valores e impulsos para o dia-a-dia – o que é a base para qualquer equipe bem motivada.

Também é essencial para mudanças, inconformismo e inovação: você precisa perceber a existência de um incômodo para agir sobre ele. Uma pessoa sem essa sensibilidade é apenas um burocrata que segue ordens para ganhar o salário no final do mês. 

Mas esse inconformismo das pessoas sensíveis frequentemente é confundido com fraqueza ou fragilidade – alguém que “não aguenta” entregar exatamente o que foi pedido. Esse erro fica ainda mais forte quando direcionado a mulheres, nas quais recai o estereótipo de serem emotivas e se irritarem sem motivo.

Daí a repulsa por sensibilidade no mundo corporativo, principalmente entre as empresas com valores ou propósitos mal definidos. É um erro tão difundido que uma nova geração de empreendedoras está agindo em diversas frentes para trazer a sensibilidade ao centro de qualquer local de trabalho.

1. A mentora

“É importante informar que não existe pessoa sem sensibilidade,” afirma Taís Souza, fundadora da consultoria Maestrina de Negócios, cuja missão é desenvolver pessoas e negócios por meio de relações éticas e da sensibilidade.

Para ela, a sensibilidade é uma característica universal que varia em grau entre os indivíduos, o que torna uma demanda como “zero sensibilidade” desumana. Taís também se especializou em treinamentos e mentorias específicos para lideranças que se identificam como sensíveis, assim como ela mesma se identifica.

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“Temos que rebater o mito da dureza em nossa sociedade, aquele que reforça a ideia de que ‘somente os fortes sobrevivem’”, provoca. “Como ele está bem vívido, explicar, sensibilizar, educar e valorizar a sensibilidade de maneira ativa é parte do processo.” 

Imersos na dominação da automação, digitalização e crescente artificialidade de processos, a necessidade de pessoas altamente sensíveis nunca foi tão grande. “A sensibilidade tornou-se uma vantagem competitiva importante”, complementa Taís. “Ao perceber detalhes que outros ignoram ou buscar soluções holísticas que beneficiam o grupo, esses líderes demonstram eficiência nos ambientes de negócios.”

Além disso, por estarem sintonizados com as emoções e necessidades dos outros, podem ser persuasores, influenciadores e sábios negociadores.

2. A pesquisadora

Camila Holpert, psicanalista e pesquisadora com especialização em compaixão pela Universidade de Stanford, complementa essa visão. “A lógica industrial transformou as pessoas em meras engrenagens do processo produtivo. Enquanto a inteligência artificial pode superar a produtividade em muitas funções, o que resta para nós, e o que realmente nos torna humanos, é nossa capacidade de sentir e expressar emoções.”

Uma pessoa sem sensibilidade é apenas um burocrata que segue ordens para ganhar o salário no final do mês.

Camila, que também está à frente da empresa de estratégia para pesquisa Studio Ideias, liderou o estudo “Como se sentem as lideranças de empresas no Brasil”. O estudo fez um mergulho no sentimento de 500 executivos e executivas e mostrou que reconhecer os próprios sentimentos, lidar com eles e com os do seu time, é uma sabedoria, porém ainda não muito acessada entre altos cargos. 

3. A gestora

Egnalda Cortes, CEO da Cortes Assessoria, a primeira agência de influenciadores negros da América Latina, também destaca a importância da sensibilidade na liderança.

“Gerir com sensibilidade funciona como uma catalisadora de talentos. Compreender as vulnerabilidades tem sido essencial para alcançar os resultados desejados,” diz Egnalda.

Sua experiência demonstra que a sensibilidade não apenas contribui para um ambiente de trabalho mais colaborativo, mas também para o sucesso organizacional.

4. A ativista

Além do ambiente corporativo, há um crescente movimento para valorizar a sensibilidade como uma ferramenta fundamental em tempos agressivos. Roberta Reis, especialista em marketing digital, criou o Futuro Sensível para explorar como a sensibilidade pode promover um mundo mais equilibrado.

“Ser sensível não é uma fraqueza, é sobre sentir intensamente e usar essa capacidade para compreender melhor o ambiente e as pessoas,” conta Roberta. Seu trabalho desafia o modelo agressivo predominante e busca valorizar métricas não-mensuráveis, como a empatia e a compreensão.

5. A artista

A artista e designer de produto Vivi Tavares, fundadora do LabSensível, também defende a importância da sensibilidade. “Acredito que ela é essencial para lidar com as demandas atuais. Ao escutar mais nosso corpo e prestar atenção às sutilezas internas, podemos transformar nosso relacionamento com o trabalho e com o planeta,” afirma Vivi. Seu projeto explora como a sensibilidade pode promover ambientes de trabalho mais saudáveis e produtivos.

E você, se enxerga na revolução da sensibilidade?


SOBRE A AUTORA

Juliana de Faria é jornalista, escritora e pós graduada em neurociência e comportamento. Está à frente do Estúdio Jules, consultoria c... saiba mais