Setembro Amarelo: o silêncio adoece, falar cura

Enquanto a tendência global é de queda, o número de suicídios no Brasil cresce de forma constante e acelerada

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Andrés Bruzzone 4 minutos de leitura

Na coluna de estreia escrevi sobre nossa crescente dificuldade de lidar com o que nos incomoda ou fere. Evitamos certos aspectos da vida criando tabus. Disse que aquilo que não cabe na consciência permanece reprimido nas sombras do inconsciente individual ou coletivo. E volta como doença.

O suicídio é exemplo de tabu, sintoma e doença.

Enquanto a tendência global é de queda, o número de suicídios no Brasil cresce de forma constante e acelerada. Desde o início do século, mais que dobrou: de 6.780 em 2000 para 16.462 em 2022. Em média, 45 brasileiros se suicidam diariamente: um a cada 32 minutos. Para cada suicídio há pelo menos 20 tentativas.

Entre jovens, o número cresce acima de 6% ao ano e é a quarta causa de morte entre 15 e 29 anos. De 2016 a 2021, a taxa de suicídio entre adolescentes de 15 a 19 anos cresceu 49%, chegando a 6,6 por 100 mil habitantes. Cada morte por suicídio impacta entre 60 e 135 pessoas.

Ainda assim, nos recusamos a ver.

O assunto chega aos jornais quando um famoso ou um aluno de escola prestigiosa se mata. Nunca é conosco. Preferimos acreditar que o suicídio é problema dos outros, não do nosso entorno, muito menos da família. Menos ainda dos nossos filhos.

Mas a verdade é que as chances de alguém próximo estar em risco e não percebermos são muito altas. As pessoas que se suicidam têm pais, irmãos, colegas e amigos que um dia enfrentaram o impensável. "Como não vi?" é uma pergunta comum. "O que eu poderia ter feito para evitar?".

Aprendi da pior maneira.

toda dor se torna suportável se podemos contar uma história a partir dela.

Dez anos atrás, uma ligação, uma notícia. Num instante, a vida desabando. Despertei para a possibilidade do impossível, do inimaginável. Meu filho Pablo, de 23 anos, acabava de se matar.

Um cataclismo que arrasou com tudo. O esforço para reconstruir mostrou que é possível voltar a uma vida rica e feliz, mesmo depois de um sofrimento que muitas vezes pareceu insuportável.

Dizem que é o luto mais desafiador. Acredito. Não ter sabido ver os sinais, entender que não tive as respostas adequadas (mesmo sem garantia de que teriam evitado a morte) agrega uma carga enorme à dor da perda.

A campanha Setembro Amarelo busca acabar com o silêncio e mostrar a gravidade do problema. Incentivar as pessoas a se informarem para ajudar quem precisa.

Crédito: Divulgação

No site da campanha lemos:

"Muitas pessoas com pensamentos suicidas se sentem isoladas e incompreendidas. Falar pode reduzir esse isolamento. Quando o assunto é abordado abertamente, as pessoas se sentem mais encorajadas a buscar ajuda profissional. Falar sobre o suicídio ajuda a reconhecer sinais de alerta em si mesmo ou nos outros, facilitando intervenções precoces."

Concordo. Por isso a minha proposta de um diálogo aberto, de falarmos sem constrangimento. Expondo minha experiência quero contribuir para reduzir o estigma, tirar a camada de vergonha, combater o tabu.

Se o silêncio adoece, falar cura. A escritora dinamarquesa Karen Blixen diz que toda dor se torna suportável se podemos contar uma história a partir dela. A arte faz isso bem.

Um menino de sete anos começa uma lista de coisas maravilhosas que a vida tem; irá completar a lista já adulto, um milhão de motivos para viver. Quer assim convencer a mãe a não se matar. Será suficiente?  Essa é a proposta da peça "Todas as coisas maravilhosas", com Kiko Mascarenhas (em cartaz no Tucarena, em São Paulo, no momento em que escrevo esta coluna).

a verdade é que as chances de alguém próximo estar em risco e não percebermos são muito altas.

Podemos convencer alguém de que viver vale a pena? Filosofia, neurociência, psiquiatria e psicanálise se debatem sem chegar a conclusões firmes. O suicidio é e será sempre um mistério.

Talvez, mais do que tentar convencer, devamos aprender a escutar o sofrimento alheio. Superar o medo e a recusa do que incomoda, que nos impede de ver sinais no nosso entorno.

Nos cabe romper o círculo de silêncio de todas as maneiras possíveis.

Leia, pergunte e não julgue. Escute.

PS: Esta coluna é dedicada a todos aqueles que perderam alguém querido por suicídio e não permitem que isso defina suas vidas. Especialmente a Victoria.

Sobre o Setembro Amarelo

A campanha Setembro Amarelo se originou nos Estados Unidos, em 1994, quando os pais de Mike Emme, um jovem de 17 anos que se suicidou, decidiram iniciar uma ação de conscientização sobre a prevenção do suicídio.

Mike era conhecido pelo seu carro Mustang amarelo, e após sua morte, seus pais começaram a distribuir fitas amarelas como símbolo de apoio e esperança para aqueles que enfrentam pensamentos suicidas.

Esse gesto se transformou em uma campanha mais ampla e, com o tempo, a iniciativa se espalhou para outros países. No Brasil, a campanha foi adotada oficialmente em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Setembro foi escolhido por ser o mês em que se celebra o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (10 de setembro).


SOBRE O AUTOR

Andrés Bruzzone é fundador e CEO da Pyxys, mediatech brasileira que se propõe a reinventar o negócio da mídia com novos modelos de pub... saiba mais