Seu próximo dupla será um robô


Mauro Cavalletti 3 minutos de leitura

A revolução das máquinas criativas já começou. Com seu extraordinário poder de expansão e convencimento, elas vão conquistando, todos os dias, mais e mais colaboradores humanos.

Se você é um profissional de qualquer área criativa, já deve estar contribuindo com a explosão de imagens geradas por sistemas inteligentes a partir de simples comandos em texto, como o Midjourney ou Dall-E.

Quase inevitáveis, as intrigantes imagens geradas por essa parceria homem-máquina estão em todas as partes, nos inspirando e provocando. Nessa altura, você também já deve ter concluído que, provavelmente, terá um sistema de inteligência artificial como um de seus associados diretos mais cedo do que esperava.

Os diálogos inventivos com programas geradores de conceitos, imagens, textos e até padrões musicais originais estão atingindo escala e se popularizando com velocidade. Muito além da interação quase passiva que temos hoje com os códigos que povoam nossas listas de filmes, músicas e livros com recomendações relevantes, as trocas entre humanos e sistemas inteligentes estão se desviando para criações conjuntas onde os limites da contribuição de cada parte ficam bastante nebulosos.

Cerca de dois anos atrás, quando deixou de atuar como diretor de estratégia criativa do então Facebook na Europa, o inglês Ian Crocombe estava decidido a usar todo o potencial dos sistemas de inteligência artificial para a construção das mais valiosas marcas digitais. Veterano estrategista de marketing, ele também sabia que o imenso potencial dos novos sistemas seria multiplicado pela sagacidade humana.

ALGORITMOS CRIATIVOS

Na busca de uma nova mentalidade e um processo de trabalho híbrido, Crocombe convidou seus melhores parceiros criativos para elaborarem a marca da sua nova empresa usando um sistema de conversação, o Transformer. Assim nasceu a Deft, “usando aprendizado de máquina e nosso gênio coletivo”.

Os diálogos inventivos com programas geradores de conceitos, imagens, textos e até padrões musicais originais estão atingindo escala e se popularizando com velocidade.

É verdade que os algorítmos vinham, de certa forma, construindo nosso repertório e moldando nossas preferências estéticas. Mas, nesse caso, trata-se da construção de resultados autênticos, novos, muitas vezes surpreendentemente estimulantes.

Mais ou menos na mesma época, os amigos de Crocombe na Tinny Giant, agência baseada em Bristol, usaram um método parecido para a criação do gin Monker’s Garkel, a partir do uso da rede neural Ginette. Os estrategistas, redatores e designers se utilizaram de algoritmos para gerar desde a receita até o nome, o rótulo da bebida e a campanha de lançamento nas redes sociais.

As receitas de gin são tradicionalmente guardadas como segredos pelas destilarias. Nesse caso, o sistema gerou 20 combinações, que foram testadas e selecionadas por técnicos até que decidissem por uma mistura original de coentro, ameixa seca, groselha, framboesa, clementina, laranja, calêndula, raiz de angélica e zimbro, proposta pelo sistema e calibrada pelos especialistas. Uma mistura nova, genuína.

É justamente o resultado inesperado desses exercícios que os tornam tão atraentes para profissionais que têm como propósito a construção de novos sentidos, novos caminhos narrativos, novas possibilidades.

“Meu diretor de criação Frank conta que é como ter um dupla esquisito: ele não faz todo o trabalho, mas te manda toda hora um monte de ideias malucas para te inspirar”, diz Crocombe. É uma relação criativa nova e muito interessante com um sistema.

IDEIAS E DESAFIOS

No caso dos novos geradores de imagens, o cenário é ainda

as intrigantes imagens geradas pela parceria homem-máquina estão em todas as partes, nos inspirando e provocando.

mais extremo, com resultados muito promissores. Primeiro, eles funcionam em nível individual, as barreiras de uso são mínimas e os resultados imediatos. Segundo, o processo de aprendizado no uso funciona em comunidades – você vai copiando os comandos dos outros participantes e experimentando novos resultados.

Finalmente, a experiência é similar à de um jogo em que você vai testando caminhos e aprendendo a “controlar” o resultado em cada pedido. Os participantes vêm de todas as áreas: artistas, designers, redatores, engenheiros, arquitetos, programadores e outros tipos curiosos, gerando um material riquíssimo em ideias.

São sistemas alimentados pelo conhecimento acumulado nas redes e pensados para escala. É como se uma camada de imaginação externa às nossas mentes pudesse ser alimentada de forma coletiva. Quando saírem da fase beta, atingindo uso massivo, as possibilidades criativas serão imensas e alguns de nossos processos serão profundamente desafiados.


SOBRE O AUTOR

Mauro Cavalletti é Diretor Executivo de Criação para América Latina na Huge e fundador da Bitnik Estratégias Criativas, plataforma par... saiba mais