Somos muitos, somos fortes e somos conscientes


Adriana Barbosa 3 minutos de leitura

Enquanto mulher negra em diáspora, faço parte de milhares de estatísticas. Possivelmente, quando relacionamos isso a uma estrutura que muitas vezes desumaniza os nossos corpos, você deve ter imaginado os piores índices, seja por um sistema que nos invisibiliza ou pelas interseccionalidades que nos atravessam. No entanto, também somos compostos da grandeza. Nos últimos anos, a Feira Preta tem realizado diversos levantamentos que dizem muito sobre os nossos, a população negra. Quero ressaltar, mais uma vez, ou quantas vezes forem necessárias, o quanto, na verdade, fazemos parte de números que representam o melhor do nosso povo, ainda que em momentos de adversidades. Somos 55% da nação brasileira, o país mais negro fora da África e o segundo maior do planeta, ficando atrás apenas da Nigéria. Ou seja, são 116 milhões de pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas. Somos a maioria no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Somos muitos. Quando fazemos o recorte de gênero, as mulheres negras correspondem a 29% da população, algo em torno de 60 milhões de pessoas, uma população feminina do tamanho da Itália. O que quero dizer com isso é que, seja por nossa grandiosidade numérica ou por nossa negritude em potência, somos centenas de pares fortalecendo um quilombo inteiro, por meio de vivências, conquistas e sonhos. Com isso, destaco que 96% da comunidade negra tem algum sonho atualmente e 68% afirmam que, com certeza, o irão realizar. O empreender aparece como grande interesse e principal sonho entre a população preta, seguido por comprar/quitar imóvel próprio. Hoje, no Brasil, temos mais de 58 milhões de trabalhadores por conta própria, sendo 51% negros, responsáveis por movimentar R$ 288 bilhões por ano. Entre empreendedoras negras, esse valor é superior á R$ 73 bilhões por ano. 

Nossa rede de apoio é o que nos torna fortes e conscientes dos lugares e transformações que almejamos alcançar.
Resgato uma frase de Beatrice Rossotti, “vestir-se negra como demonstração de poder”, para ilustrar o quanto somos fortes e seguimos, coletivamente, nessa batalha por notoriedade e oportunidades, já que, ainda que sejamos maioria neste segmento, apenas 21% dos empreendedores negros têm CNPJ. Quando falamos de liderança, a população negra se identifica com a frase “sinto que sou um(a) líder”. Entre empreendedores negros, essa identificação sobe para 86%. Deixo aqui uma abertura de reflexão do porque apenas 4,7% desses profissionais ocupam altos postos hierárquicos. No entanto, vejo o quanto o meu trabalho é significativo e que, enquanto ancestral em vida, posso, de alguma forma, ser ponte e abrir portas para os sonhos do meus. Porque, afinal de contas, a Feira Preta é isso: uma impulsionadora de realizações. Estamos há 20 anos celebrando e compartilhando nossas conquistas. Além de muitos e fortes, também somos conscientes, vemos a realidade, ainda que um tanto dolorosa. É importante destacar que 59% dos negros declara ter interesse pelo tema política. No entanto, no Senado, apenas 12 mulheres foram eleitas para as 81 vagas, o que equivale uma participação de 14%. Nenhuma delas é negra. Na Câmara, apenas 2,5% das cadeiras são ocupadas por mulheres negras. São 13, de um total de 77 mulheres deputadas. A pesquisa também evidencia um abismo no acesso à digitalização, que podemos analisar a partir de três eixos: infraestrutura, conectividade e letramento digital. Em paralelo, pessoas negras têm menor acesso ao ensino superior. Apesar das desigualdades, 88% desse público vê potencial na educação como expoente máximo da configuração de suas realidades. A população branca ainda é maioria no ensino superior, representando 54% dos estudantes. Não há como negar, temos muito o que avançar. Por mais que a curtos passos as coisas estejam se desenvolvendo, nossa rede de apoio é o que nos torna fortes e conscientes dos lugares e transformações que almejamos alcançar. Que sigamos em abundância para reverter aquilo que não nos coloca como potência . É só o começo!Este texto é de responsabilidade de seu autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Fast Company Brasil

SOBRE A AUTORA

Adriana Barbosa é fundadora da Feira Preta, evento de cultura e empreendedorismo, e CEO da PretaHub. Foi apontada pelo Fórum Econômico... saiba mais