Um brinde aos rituais


Barbara Soalheiro 4 minutos de leitura

Todos os meses, venho aqui e me imagino sentada à cabeceira de uma bela mesa – enorme. Sentadas ao meu lado estão pessoas maravilhosas, muitas com as quais tenho a sorte de já dividir a vida, outras que admiro de longe. É sempre uma noite de verão, com brisa, e estamos todos sorridentes, querendo celebrar. Encho o copo e puxo o brinde.

Para você, o que importa no instante em que lê este texto são as palavras que escrevo. Para mim, esse ritual é fundamental. É o que me traz alegria, presença e o que me conecta com a missão de escrever uma coluna todos os meses. As emoções que sinto são capazes de dar sentido a uma atividade que, para outras pessoas, poderia ser encarada como corriqueira – ou até desimportante.

A clareza de que respeitamos rituais – e não regras (aliás, a única coisa que nós, humanos, gostamos sobre regras é a possibilidade de quebrá-las) – sempre me guiou na hora de desenhar processos de trabalho. Ao longo dos últimos 10 anos, o time de experiência da Mesa Company desenvolveu uma série de rituais, sempre com o objetivo de fazer com que pessoas apaixonadas pelo que fazem se conectem de forma profunda a um desafio e à possibilidade de criar uma solução.

Desconheço ferramenta mais eficiente do que a intenção para fazer as pessoas se conectarem com o que quer que seja.

O primeiro ritual que introduzimos na nossa rotina foi “abrir o envelope” – literalmente desdobrar um simples pedaço de papel para achar, dentro dele, um texto curto em que estão descritos o lugar onde precisamos chegar, o prazo em que precisamos chegar lá e todos os parâmetros inegociáveis para que aquilo aconteça (coisas como orçamento, limitações na hora de implementar, parceiros compulsórios etc). Esse ritual é capaz de fazer com que o momento em que um time encontra-se pela primeira vez com o briefing de um projeto se transforme em uma espécie de contrato assinado: ao terminar de ler o papel contido no envelope, todo mundo sente que se comprometeu com aquela entrega.

Esse ritual existe desde a Mesa 1, mas foi só lá pela décima segunda edição que o texto do lado de fora do envelope deixou de ser “o briefing” e passou a ser “missão” – uma palavra que encarna melhor o que estávamos fazendo.  A mudança de nome não impactou o que já fazíamos, o ritual em si, afinal era o fato de que havia algo selado em um envelope, que era aberto simultaneamente por aquele grupo que fazia a diferença. Certo? Errado. 

Eu sei disso porque, em 2020, reunir pessoas numa sala diante de envelopes lacrados em cima de uma mesa posta simplesmente deixou de existir. Hoje, em formato remoto, sem envelope, sem mesa posta, o ritual continua existindo e continua gerando a mesma sensação de compromisso com os objetivos e o resultado esperado, ainda que o texto esteja estampado em um slide na tela do Zoom. Por quê?

Porque o que faz um ritual é, sobretudo e sobremaneira, a intenção da pessoa que organiza um processo de trabalho. Quando um líder  anuncia “Em 1 minuto, vocês vão ler a missão que temos como time. Primeiro, quero que cada um leia individualmente, depois pedirei a alguém para que leia em voz alta” e em sua fala há claramente a intenção de compromisso total, então, todas as pessoas reunidas naquele tempo-espaço são capazes de compreender de forma profunda o que está sendo dito. Podem perceber a essência do que está diante delas. Não importa o formato.  

Desconheço ferramenta mais eficiente do que a intenção para fazer as pessoas se conectarem com o que quer que seja. E, ainda assim, esse é um recurso pouco utilizado no mundo do trabalho. Minha hipótese é que colocar intenção em algo nos deixa muito vulneráveis, demonstra o quanto somos humanos, algo que o mundo do trabalho com frequência refuta – entre os que pensam que deveria haver um limite duro entre vida e trabalho e os que pensam que emoções não são apropriadas para ambientes profissionais, temos aí uma maioria que, na minha visão, desperdiça a chance de dar sentido real àquilo que fazemos por diversas horas, muitos dias por semana. 

Por isso, hoje ergo meu copo diante de todos vocês, sentados nessa bela mesa imaginária, sob um céu limpo de uma noite quente, e celebro aquilo que é invisível, mas evidente; aquilo que é mais real do que qualquer regra que gestores insistem em criar na esperança de conectar pessoas a um resultado esperado. Um brinde à intenção!

Este texto é de responsabilidade de seu autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Fast Company Brasil


SOBRE A AUTORA

Barbara Soalheiro é fundadora da Mesa Company, sócia da FLAGCX e escritora. Formada em Jornalismo, aos 26 anos se tornou editora-chefe... saiba mais