Um olhar para economia criativa da população preta
"Sevirologia", a habilidade de “se virar” com o que tem. Acredito que muitos já tenham me ouvido falar sobre. É impossível citar Feira Preta e todo o seu guarda-chuva de potencialidades sem que eu mencione o seu início, feito na pura sevirologia e também na falta de grana.
No entanto, desta vez, quero trazer um olhar diferente para além do empreendedorismo negro alocado à necessidade e escassez, mas sim o quanto o que se tem no momento pode virar uma cadeia de economia criativa.
a economia da cultura e indústrias criativas contribui com 3,1% do PIB brasileiro – mais que a indústria automotiva (2,5%).
Talvez, muitos não saibam ou se recusem a enxergar, mas a população preta é expert nisso, em transformar reivindicações e dores em potenciais inovadores. Vivenciei isso de perto ao acompanhar as mulheres de minha família – minha mãe e sobretudo, minha bisavó, empreendedora e sempre algoz ao determinar novas inventividades.
Depois, mais velha, segui os mesmos passos, com linhas distintas, mas com a mesma premissa: o de ser protagonista do meu dinheiro e não mais intermediária ou coadjuvante. Por toda sua mobilização, cheguei à conclusão que mulheres negras traçam a economia criativa e são empreendedoras historicamente, há mais de 130 anos.
No entanto, isso não poderia acontecer de forma isolada. Outras pessoas negras também estariam nesse meio de produção, mas com o olhar de cima para baixo, e não o contrário.
ECONOMIA DA CULTURA E DA CRIATIVIDADE
Há mais de 20 anos, quando resolvi trazer a Feira Preta ao mundo, em 2002, na praça Benedito Calixto (em São Paulo), fiz um compromisso de criar um espaço – que mais tarde se tornaria um hub e festival de tendência – de produção realizado por e para a população negra, nas mais diversas formas de linguagens, de produtos ou serviços. Objetivo: o dinheiro precisava circular entre os nossos.
estimular a cadeia produtiva é uma oportunidade para a área de marketing de experiência e de negócios.
Conforme estudo recente produzido pelo Instituto Itaú Cultural, a economia da cultura e indústrias criativas contribui com 3,1% do PIB brasileiro, ficando à frente da indústria automotiva (2,5%) e um pouco atrás da construção civil (4%).
As atividades culturais e criativas empregam cerca de 7,5 milhões de pessoas (7% do total da economia brasileira) e o setor conta com 130 mil empresas no país (3,2% do total). Vale destacar que a economia da cultura e indústrias criativas sustentou crescimento entre 2012 e 2020, enquanto o setor automotivo e o da construção tiveram redução da sua participação no total da economia brasileira no período.
Pensar na valorização do trabalho do setor cultural cria mobilização de diversas oportunidades para que a intelectualidade, criatividade e resistência negra ganhem espaços. No ano passado, o Festival Pretas Potências foi realizado em parceria com o Coletivo MOOC, na Casa PretaHub, com uma programação focada na inovação, criatividade e resistência negra.
Reunimos também mais de 70 marcas, curadas pela Feira Preta, em uma loja oficial dentro da plataforma do Mercado Livre, possibilitando que consumidores de todo o país tenham acesso aos produtos vendidos presencialmente no festival.
MAIS OPORTUNIDADES
Dando continuidade a essas iniciativas, lançamos um edital em parceria com a Ambev, para apoiar projetos de entretenimento e cultura e gerar mais oportunidades para produtores, artistas e empreendedores negros. A iniciativa faz parte do programa de inclusão produtiva da companhia, que busca gerar oportunidades de capacitação, emprego e renda.
somente a combinação de capacitação e acesso a recursos é capaz de transformar o empreendedorismo de sobrevivência.
O edital Fundo Bora Cultura Preta vai destinar R$ 7 milhões para apoiar o trabalho de empreendedores culturais de todo o País e contemplará projetos de diversos setores da economia criativa que sejam liderados por pessoas negras. Também deve puxar outras empresas para a pauta, mostrando que estimular a cadeia produtiva é uma oportunidade para a área de marketing de experiência e de negócios.
Outra iniciativa lançada pela PretaHub, com o apoio do Ministério da Cultura, Basf, Banco BV, Ernst Young e Mercado Livre, é o Prêmio Pretas Potências, um projeto que busca reconhecer e premiar 150 iniciativas lideradas pela juventude negra no campo da economia criativa, estreadas nos anos de 2019 e 2020.
Ao todo, serão destinados R$ 1 milhão em prêmios de R$ 5 mil e R$ 10 mil para projetos individuais, grupos e coletivos artísticos, nas categorias de música instrumental, artes cênicas, artes visuais, literatura, audiovisual e patrimônio imaterial.
Hoje, afirmo com muita certeza que não é possível falar de evolução da população negra sem a união da capacitação e do acesso a recursos, pois somente essa combinação é capaz de transformar o empreendedorismo de sobrevivência.
O avanço da inclusão na cadeia de valor requer uma adaptação dos pequenos empreendedores e também de grandes companhias, fazendo com que, nesse processo, todos tenham mais ferramentas para levar adiante seus negócios e prosperar, impactando de forma positiva suas comunidades e empoderando-as economicamente.