Uma agenda para o solo, esse complexo ecossistema
Quando pensamos que toda a cadeia da alimentação exige uma transformação para ser mais conectada com os ciclos naturais do meio ambiente, desde a produção e distribuição ao consumo dos alimentos, por onde começar?
No início de junho, tive a chance de acompanhar a primeira edição do World Living Soils Forum, promovido pela Moet Hennessy, do grupo LVMH, em Arles, no sul da França. Ouvimos, lemos e falamos muito sobre mudanças climáticas, oceanos e florestas. Mas os debates sobre o solo ainda não têm o mesmo protagonismo, embora ele seja tão importante quanto a água e o ar.
Esse ecossistema complexo é um recurso natural não renovável que estamos perdendo por problemas como erosão, desertificação e salinização. Sua preservação é essencial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e combater a perda da biodiversidade.
Além de ser responsável pela produção da maior parte do que comemos, o solo ajuda a mitigar as emissões de gases de efeito estufa por meio do sequestro de carbono da atmosfera.
Ainda sabemos muito pouco sobre ele. Por isso, fóruns como este, que reúnem a comunidade científica, empresas,
O solo ajuda a mitigar as emissões de gases de efeito estufa por meio do sequestro de carbono da atmosfera.
empreendedores, agricultores e imprensa são fundamentais. Como me disse a diretora de comunicação da MH, Anne Catherine Grimal, esse evento jamais teria acontecido há três anos. Mas a pandemia e a pressão ESG colaboraram com essa mudança de pensamento das empresas, de que é preciso trabalhar com a natureza em vez de disputá-la.
Dona de maisons de vinho espalhadas pelo mundo inteiro, a MH organizou esse encontro para reafirmar seu compromisso com as práticas sustentáveis na viticultura, conciliando resultados econômicos e as necessidades da natureza e das comunidades ao redor.
Uma iniciativa importante do fórum foi reunir na mesma mesa outras grandes companhias do mercado para compartilhar informações, ações e conhecimento de maneira totalmente aberta e honesta (e a arquibancada em forma de arena construída para o evento cumpriu essa função). A Moet Hennessy se apresentou como catalisadora das boas práticas e colocou todo mundo para conversar.
AGRICULTURA REGENERATIVA
Um termo que ouvi por lá e já incorporei ao meu discurso foi competitive colaboration, ou seja, abrir o que você sabe firmando uma coalizão sem concorrência entre toda a cadeia de vinho, do solo à mesa. Em outras palavras, definir conjuntamente uma linha de sustentabilidade e de responsabilidade social corporativa, independentemente do que será feito em casa.
No Brasil, precisamos de diálogo entre o agronegócio, os pequenos agricultores e todos os demais envolvidos na cadeia do alimento.
Depois de quatro anos levantando dados, a MH vem elaborando a transição da monocultura para a agricultura sustentável e regenerativa. Uma das ações é apoiar os mais de dois mil agricultores familiares que colaboram com o grupo no aprendizado e desenvolvimento de boas práticas sustentáveis. Sabemos que sem performance econômica não existe mudança. E é uma operação financeiramente eficiente que favorece a difusão das inovações.
Nesse contexto, o conceito de peer learning (aprendizagem entre pares) é uma das práticas adotadas. Os agricultores aprendem uns com os outros para encontrar soluções e, a partir disso, as empresas conseguem inovar e escalar.
Há muita pesquisa e informação sobre o assunto, mas ainda é preciso engajamento para ampliar seu alcance. Voltei de lá com mais perguntas do que respostas e um aprendizado: quanto mais complexo o problema a ser resolvido, mais open source precisamos ser.
Da mesma forma que o vinho uniu os concorrentes do setor para uma agenda comum, no Brasil, precisamos do mesmo diálogo entre o agronegócio, os pequenos agricultores e todos os demais envolvidos na cadeia do alimento. Fica aqui a inspiração da indústria das bebidas.