Uma história de cada vez…
Vou começar este texto contextualizando como vim parar aqui! Fui convidada pela Fast Company Brasil para escrever mensalmente neste canal sobre temas diversos e relacionados a sustentabilidade, gestão, governança, compliance e, lógico, sobre como isso está relacionado à vida de cada um de nós.
Refleti durante todo o prazo que tinha para escrever e meus lampejos de lucidez me traziam sempre os mesmos questionamentos: como começar, o que dividir? E, mais do que tudo, como realmente contribuir, agregar conhecimento para quem me lê? Como não repetir o que já tem sido escrito sobre esses temas?
Foi assim que decidi que este espaço será alimentado com histórias, muitas delas vividas por mim, outras presenciadas. Quero trazer aqui o que acredito ser de maior valor para quem me lê: conhecimento empírico. Aplicação da teoria, na prática. Adequação da norma à realidade – seja do profissional, seja da empresa.
É inevitável começar contando a história de como uma advogada corporativa que se preocupava demasiadamente com procedimentos, regras e, principalmente, resultados, encontrou na inovação sua zona de conforto, se é que isso é possível! Minha origem diz muito sobre tudo isso, e sobre o lugar em que me encontro agora.
Sou a filha mais velha de pais que não tiveram as mesmas oportunidades que puderam oferecer a mim e à minha irmã. Na minha casa, era comum ouvir que estudo – leia-se em escola particular – era prioridade, seguido de plano de saúde. Quando vim ao mundo, o sonho da casa própria já havia se concretizado para os meus pais.
Conhecimento se busca, se conquista, abre portas e gera oportunidades.
Eles não tiveram a oportunidade de estudar em escolas particulares: não chegaram a concluir o ensino fundamental (no meu tempo, primeiro grau, no tempo deles, ginásio).
Cresci ouvindo que deveria me dedicar aos estudos e a qualquer atividade em que me envolvesse, para que tivesse destaque e, consequentemente, conquistasse a minha independência financeira. Cobravam de mim e da minha irmã a mesma dedicação em simples tarefas do dia a dia. Exigiam que respeitássemos hierarquia e regras. O conhecimento que nos proporcionaram foi através de suas vivências.
Minha mãe, nascida numa cidade do interior de Santa Catarina cuja população falava melhor o polonês que o português, nunca deixou de tomar minha lição de casa e de me auxiliar a fazê-la todos os dias, fossem elas de maior ou menor complexidade. Lembro de tê-la ao meu lado estudando para o vestibular, matérias como química e física, cálculos que fazia sem usar calculadora ou rascunho, me ajudando a memorizar fórmulas – coisas que, a ela, nunca ninguém havia ensinado.
Não me recordo de olhar para o meu pai sem enxergar também um livro por perto. Muitas vezes havia vários livros iniciados espalhados pelos cômodos da casa. Ouvir ópera aos sábados era corriqueiro. O som de La Boheme na voz de Luciano Pavarotti foi a trilha de muitos almoços de sábado, logo após encerar o carro ou lustrar seus sapatos. Sim, asseio e cuidado com as nossas coisas também era uma exigência.
compliance é fazer a coisa certa, é atuar com respeito, é enraizar valores em todas as instâncias da empresa e também da vida.
Cresci, portanto, em um ambiente no qual respeito e responsabilidade estavam sempre à nossa volta. Além disso, um ambiente em que as conquistas foram visivelmente atingidas através de esforço, dedicação e companheirismo – espírito de equipe, mesmo. Assim, aprendi desde cedo que temos que fazer a nossa parte para alcançar os resultados que desejamos. Aprendi também que conhecimento não se adquire apenas nos bancos escolares, mas na vida, nas escolhas, nas relações pessoais. Conhecimento se busca, se conquista, abre portas e gera oportunidades.
Não por acaso, ao longo deste relato não mencionei as palavras direito ou dever. Por outro lado, usei a palavra respeito muitas vezes. E é exatamente por aí que trilhei meu caminho no direito e, sucessivamente, no mundo do compliance.
Diferente do que trazem os manuais, compliance não está relacionado apenas a seguir regras, cumprir normas, estar em linha com diretrizes. Vai além: compliance é fazer a coisa certa, é atuar com respeito, é enraizar valores em todas as instâncias da empresa e também da vida. Da mesma forma que os caminhos tortuosos do direito não devem ser percorridos apenas na análise da letra fria da lei, distante da realidade das partes, dos anseios da sociedade e da comunidade ao redor.
Foi seguindo esse raciocínio que encontrei sossego no desassossego de uma empresa em que inovação e estratégia andam de mãos dadas. Ali fui desafiada a fazer a coisa certa, de um jeito novo. Ali, vi que manual só serve para fazer volume na gaveta.
Como criar uma cultura de compliance dentro de um ambiente disruptivo? É possível manter a agilidade e a velocidade nos negócios e ter "procedimentos"? Claro que sim, porque estamos falando de valores. Valores adquiridos – por exemplo, no âmbito familiar – e que devem nortear os negócios da sua empresa e da empresa em que você trabalha. Ter esses valores refletidos no comportamento de todos deveria ser orgânico, mas nem sempre é o que se encontra por aí. Mas essa já é outra história e fica para a próxima coluna.