Verniz verde na comunicação: as evidências do greenwashing digital no Brasil
O que a ética na publicidade corporativa no LinkedIn tem a ver com a COP30?

Discurso “green” e sustentável virou clichê em campanhas corporativas na internet. Muitas empresas, ao invés de tornarem a sustentabilidade ambiental um critério para novos modos de produção, apenas ajustam as mensagens publicitárias para convencer o consumidor. A prática de greenwashing fomenta um imaginário social baseado em soluções paliativas desvinculadas de compromissos reais e promovem discursos de atraso climático que desencorajam estratégias concretas e favorecem a continuidade de modelos de negócios que destroem o planeta.
Chegamos ao fim de mais ano e é sempre importante fazermos um balanço. Em 2025 a COP30 foi um dos eventos internacionais mais importantes que ocorreram no Brasil, o que nos leva a uma reflexão sobre o que está acontecendo no campo da comunicação social e sua relação com o futuro do planeta.
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Há um consenso na literatura científica que define o greenwashing como uma estratégia de comunicação corporativa voltada para projetar uma imagem de responsabilidade ambiental que mascara os impactos socioambientais negativos dos negócios de uma empresa. A publicidade que contém greenwashing é caracterizada por omitir dados e divulgar informações exageradas, imprecisas, enganosas ou distorcidas para influenciar positivamente a percepção pública e a legitimidade da marca como “green”, ou seja, que preserva o meio ambiente.
Portanto, o greenwashing é uma estratégia de comunicação eticamente questionável e muito perigosa, que termina por normalizar a circulação de desinformação socioambiental na sociedade, precariza o debate público, engana os consumidores e nos afasta cada vez mais das soluções reais.
O Netlab-UFRJ lançou um relatório de pesquisa durante a COP30 que expõe como as empresas estão usando esse “truque” em anúncios que circulam nas redes sociais. O relatório utiliza dados coletados do LinkedIn, plataforma onde as empresas vêm utilizando bastante para mostrar seus compromissos com causas. O levantamento reuniu mais de 2.800 anúncios que falam diretamente sobre sustentabilidade ou transição energética entre setembro de 2024 e março de 2025.

O dado é contundente. Mais da metade desses anúncios apresenta sinal claro de greenwashing. Os anúncios analisados utilizam retórica de preocupação ambiental por parte das empresas, mas não apresentam ações e resultados com comprovação. Energia, mineração e agronegócio são os setores onde o greenwashing é mais utilizado como estratégia publicitária no Brasil. Em mineração, a taxa de anúncios suspeitos de “verniz verde” passa de 80%.
O problema se amplia quando nomes conhecidos entram no jogo. Petrobras, Shell, Vale. Essas empresas lideram a produção de conteúdos publicitários promovendo seus avanços de preservação ambiental e compromissos com a pauta da transição energética. Porém, mantêm práticas poluidoras, acumulam multas e evitam compromissos mensuráveis com a sociedade para reduzir emissões.
Ao invés de dados, multiplicam certidões, prêmios e selos com pouca transparência e de difícil comprovação. No discurso publicitário, defendem uma transição energética justa. Na prática, preservam o modelo de negócios que prejudica o meio ambiente, no qual as práticas sustentáveis são parte minoritária e insuficiente de sua produção.
O LinkedIn, enquanto rede social voltada para o mundo corporativo, passou a ser ambiente ideal para esse tipo de campanha com greenwashing. Afinal, as redes sociais oferecem pouca transparência sobre o alcance, a segmentação ou o investimento de cada anúncio, tornando difícil a observabilidade, a denúncia e a cobrança por parte da sociedade em um assunto de interesse coletivo como é a pauta ambiental.

Mas as estratégias de greenwashing não se limitam à ausência de informações comprovadas. Algumas empresas argumentam apostar em tecnologias, como inteligência artificial e data centers, como solução para a transição energética. O discurso tecnosolucionista também tem sido usado como estratégia de greenwashing, omitindo o alto consumo energético envolvido na construção de modelos de IA e datacenters que aumentam ainda mais o problema da crise de energia e consequentemente os desastres socioambientais e climáticos.
E útil fazer uma analogia com a indústria farmacêutica, que tem sua publicidade regulada, para entender o fenômeno que estamos tratando aqui: uma empresa não pode fazer propaganda de placebo ou de remédio sem comprovação científica. Não pode anunciar um tratamento milagroso e enganar o consumidor sobre sua eficácia. É basicamente isso que está acontecendo com a indústria fóssil, mineradores e agronegócio quando utilizam o greenwashing para promover suas marcas: estão divulgando informações que não conseguem comprovar.
No discurso publicitário, defendem transição energética justa. Na prática, preservam o modelo que prejudica o meio ambiente.
Para entender a gravidade do problema, é útil fazer uma analogia com a indústria farmacêutica. Imagine se um laboratório de medicamentos pudesse anunciar um remédio sem qualquer eficácia comprovada? O risco à saúde pública seria imediato. É por isso que a publicidade de medicamentos é rigorosamente regulada: porque o engano custa caro! Ninguém pode anunciar uma cura milagrosa sem base científica. No entanto, é esse o cenário atual de indústrias como a fóssil e o agronegócio: um festival de promessas verdes sem lastro na realidade. O greenwashing nada mais é do que a venda de um placebo ambiental.
Nesse contexto, o relatório do Netlab reforça a necessidade de avançar com regulação e defesa dos direitos dos consumidores. É preciso fiscalizar e criar regras que limitem o uso irresponsável da pauta socioambiental que acabou virando um argumento competitivo entre as empresas sem nenhum compromisso social - o que tem esvaziado o debate público e ampliado o fenômeno da desinformação.
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O relatório do Netlab UFRJ traz uma advertência: sem transparência, regras para a publicidade ambiental e oferta de informação confiável para os consumidores, o discurso verde é apenas uma retórica criada para colorir campanhas publicitárias. Portanto, é cada vez mais urgente lutarmos pela ética na publicidade, que precisa estar a serviço dos interesses da sociedade, e não o contrário. Não podemos aceitar que a publicidade seja instrumentalizada para ampliar o problema da desinformação socioambiental e climática num país onde os desastres climáticos avançam desenfreadamente.
O poder de sedução, encantamento e amplificação que a publicidade e propaganda possuem deveria ser usado justamente para promover informações corretas e ampliar a confiança social nas soluções possíveis - e não minar a credibilidade das empresas e destruir as condições de possibilidade para uma mudança real.
