Violência no RS: precisamos ir além da tragédia climática e enfrentar a desigualdade de gênero

Além da tragédia, mulheres também foram vítimas de violência sexual nos abrigos criados para as acolher do desastre ambiental

Crédito: dissolvegirl/ iStock

Dilma Campos 3 minutos de leitura

Não foi só a perda do lar, de vizinhos, familiares e amigos e de todos os bens materiais que as mulheres sofreram durante as enchentes do Rio Grande do Sul. Elas também foram vítimas de violência sexual nos abrigos criados para as acolher da tragédia ambiental.

O que essa situação inaceitável nos diz sobre a emergência climática e o machismo estrutural da sociedade? Tivemos, infelizmente, uma lição dura e clara sobre como as tragédias ambientais afetam de forma diferente homens e mulheres.

Justiça climática é um termo criado para expressar as consequências dos impactos ambientais no planeta que atingem de forma diferente as populações mais vulneráveis, como pessoas negras e imigrantes e, particularmente, mulheres e crianças.

A ONU Mulheres Brasil publicou um relatório em 2021 alertando para a questão. Abaixo destaco quatro aspectos do relatório que refletem essa realidade:

Crédito: Pedro Piegas/ Prefeitura de Porto ALegre

1. Mulheres negras, indígenas, quilombolas, periféricas, pobres e corpos feminizados que saem da norma são grupos especialmente expostos aos impactos da inação climática, o que sublinha o racismo ambiental.

2. O aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos (secas prolongadas, inundações, tempestades, deslizamentos de terra, picos de calor e de frio etc.), nesse contexto de profundas desigualdades estruturais, torna as mulheres mais expostas a adversidades que os homens.

3. Mulheres em condições de maior vulnerabilidade socioeconômica tendem a contar com menos ferramentas e rendas para enfrentar os impactos da mudança climática, dadas as brechas de salário, empregos, acesso a bens e serviços públicos, representação e direitos.

4. As mulheres também tendem a ter uma maior pobreza de tempo com a mudança climática, já que são elas que tendem a cuidar dos doentes, feridos, amputados e enlutados devido aos eventos extremos.

Em meu último artigo, falei sobre a importância da atuação de coletivos como o W20 Brasil. O grupo oficial de engajamento independente do G20 é focado na promoção da equidade de gênero e no empoderamento econômico das mulheres.

Tivemos, infelizmente, uma lição dura e clara sobre como as tragédias ambientais afetam de forma diferente homens e mulheres.

O W20 Brasil tem como objetivo elaborar um documento de recomendações na declaração final do G20, o grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo, mais a União Africana e União Europeia. EM 2024, a presidência rotativa do G20 é do Brasil.

Liderado por Ana Fontes, presidente do W20 Brasil em 2024 e fundadora da Rede Mulher Empreendedora, o grupo elencou cinco temas prioritários da agenda para os grupos de trabalho: justiça climática, economia do cuidado, combate à violência de gênero, empoderamento econômico feminino e participação feminina em STEM (acrônimo em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática), adicionando a eles o foco na interseccionalidade de raça e etnia.

Diante dos acontecimentos da tragédia no Rio Grande do Sul, é possível ver claramente a conexão entre todos esses temas e como políticas públicas e ações concretas advindas da parceria público-privada podem ajudar a mudar a realidade das mulheres na nossa sociedade, em especial das negras e periféricas.

Que esse trágico acontecimento sirva ao menos para mostrar que não é mais possível dissociar a desigualdade de gênero da pauta da emergência climática.


SOBRE A AUTORA

Dilma Campos é CEO e Partner da Nossa Praia e Head de ESG da BPartners.co. Atualmente é conselheira da Universidade São Judas - Grupo ... saiba mais