A estratégia teve de entrar em cena

O projeto de divulgação de "Ainda Estou Aqui" foi bem planejado para evidenciar a sofisticação e a qualidade do cinema brasileiro

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Manuella Borges 4 minutos de leitura

Ao trazer para o Brasil – pela segunda vez, vale enfatizar – um super prêmio de renome internacional no mercado cinematográfico, Fernanda Torres não apenas marcou um ponto alto em sua carreira; ela também entregou ao país algo mais profundo: um momento de orgulho nacional.

Aqui me refiro não apenas à sua grande atuação, mas também à tamanha estratégia que sua equipe adotou para posicionar “Ainda Estou Aqui” como um projeto de alto padrão. Com massa cinzenta além da telona.

Foram colaborações entre títulos da mesma produtora, com a presença lado a lado de Walter Salles, Fernanda e Tilda Swinton em inúmeros eventos europeus, exibições em festivais relevantes, prováveis reuniões, almoços e jantares ativando uma privilegiada rede de influencers, entrevistas em veículos prestigiados, roupas de grife e muito mais. Táticas valorizadas e utilizadas no mercado gringo e dentro das paredes corporativas, mas ainda subvalorizadas a ponto de assumir apenas a sorte como fator da glória.

Como sua mãe, Fernanda Montenegro, destacou ao comentar o feito, "(...) somos representantes de uma cultura altamente referencial, mas abaixo da linha do Equador. De vez em quando nós conseguimos atravessar essa linha e temos o reconhecimento internacional do nosso talento amplo e irrestrito".

Essa frase ressoa como um lembrete das barreiras internas que muitas vezes limitam nossa ambição e visão de grandeza.

O sucesso de Fernanda não é apenas um marco cultural, mas também uma chamada para repensarmos, enquanto brasileiros, nosso lugar no mundo. Por trás dessa conquista há mais do que talento e dedicação. Há, assumo, uma estratégia cuidadosamente arquitetada, que reflete o uso consciente de marca, reputação e propósito.

Walter Salles, as produtoras envolvidas e uma rede de profissionais excepcionais foram essenciais para transformar o projeto em um marco internacional – e em uma lição de ousadia para o Brasil.

Desde o início de sua carreira, Fernanda Torres prioriza projetos que desafiam estereótipos e refletem a profundidade de sua visão artística, que claramente é difícil de alcançar antes de feitos como o que presenciamos e sentimos agora.

O projeto de divulgação que culminou no reconhecimento internacional foi, provavelmente, bem planejado para evidenciar não apenas o talento da atriz, mas também a sofisticação e qualidade do cinema brasileiro. Essa escolha estratégica colocou Fernanda em evidência de maneira que transcendesse o entretenimento, conectando-se a discussões culturais e artísticas globais.

Crédito: Reprodução/ HBO Max

A promoção incluiu uma maratona de viagens e encontros pela Europa – um continente que, embora não seja mais o centro econômico global, permanece um núcleo político e cultural influente. Escolha essa que se mostrou certeira: ao participar de eventos e interagir com elites culturais e políticas do velho continente. Fernanda consolidou sua presença em um espaço de legitimidade e prestígio.

Para além disso, apesar de parecer irrelevante, outro brilhantismo se deu no uso de peças de roupa que mesclavam grifes internacionais com elementos nacionais. Intencional? Espero que seja, pois, para mim, simboliza habilmente uma ponte entre o Brasil e o mundo. Um Brasil que faz parte do tapete vermelho, sabe?

Esse cuidado, se de fato orquestrado, alavancou a relevância de Fernanda nos eventos de destaque. Mais do que um detalhe estético, essas escolhas a posicionaram como uma figura sofisticada, global e “do clube”, ao mesmo tempo que enraizada em suas origens.

Essa abordagem reconhece que, no mundo da reputação, a percepção conta tanto quanto a essência. Posicionar-se determinantemente nesses ambientes amplifica o alcance e a credibilidade de qualquer conquista.

"somos representantes de uma cultura altamente referencial, mas abaixo da linha do Equador."

Entre as escolhas que reforçaram o valor do trabalho de Fernanda, destaca-se a publicação de matérias em veículos internacionais de alta valorização, inclusive ao lado de sua grande e icônica mãe. Uma proposta que não apenas destacou o talento multigeracional da família Torres, mas também conectou a conquista da atriz a uma narrativa de legado e qualidade artística, funcionando como um aval de credibilidade, ampliando o impacto do incrível trabalho.

Outro elemento estratégico foi posicionar o filme e o legado da atriz dentro de tendências mundiais de representatividade, diversidade e inclusão. Em um momento de transformação na indústria do entretenimento, o projeto encontrou ressonância com demandas contemporâneas, destacando-se por seu compromisso artístico e cultural.

A conquista da estatueta é também um símbolo de superação do que muitas vezes nos limita enquanto nação: a síndrome do impostor e o medo de ousar. Mentalidade que precisa ser desafiada para que conquistas como a que acabamos de ver deixem de ser exceções e virem impulsionadores de uma realidade ampla.

Embora as estratégias usadas – como participação em festivais de prestígio e promoção direcionada – sejam comuns em mercados estabelecidos, como o norte-americano, o diferencial aqui foi a coragem de aplicá-las no contexto brasileiro. Isso requer não apenas visão, mas também audácia. Afinal, em menos de 10 dias já havia questionamentos nacionais e estrangeiros sobre a tática de networking adotada.

Mas temos outros exemplos fenomenais de adoção dessa proposta, como a cantora Anitta, que sempre ousa querer mais e enfrenta críticas ao transformar o uso estratégico de marca e reputação em projeção global.

Por trás dessa vitória há uma rede de profissionais que orquestram cada movimento desse enorme tabuleiro, com produtoras nacionais e coprodutoras estrangeiras, garantindo uma execução impecável.

Consultores de imagem, assessorias de comunicação e distribuidores internacionais cuidaram dos detalhes que transformaram o talento de Fernanda em um marco global. Que bom. Precisamos de mais.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Manuella Borges é diretora de comunicação da Purple Field Productions, além de criadora e editora da Reputation.Inc, série gratuita de... saiba mais