Adobe adota o rótulo “criado sem IA” para conteúdos feitos só por humanos
Ao começar a oferecer a opção de usar modelos de IA generativa, Adobe permite que criadores identifiquem trabalhos feitos sem essa tecnologia

O avanço acelerado da inteligência artificial generativa está dividindo a comunidade do design gráfico. De um lado, profissionais que abraçaram a tecnologia como parte do fluxo criativo. Do outro, quem vê nela uma ameaça, acusando essas ferramentas de se apropriarem da cultura e transformarem uma arte em produto de prateleira.
Vivemos um momento estranho, no qual trabalhos totalmente gerados por IA são muitas vezes apresentados como obras autorais. Às vezes, isso parece inofensivo. Outras, nem tanto.
É nesse contexto que a Adobe decidiu agir. A empresa está lançando um novo selo “criado sem IA generativa” em seu aplicativo de desenho e pintura Adobe Fresco.
A ideia é simples: permitir que artistas sinalizem que uma obra foi feita à mão, sem o uso de ferramentas de IA. Segundo Eric Snowden, vice-presidente de design da Adobe, o recurso deve chegar em breve a outros softwares da marca.
“Fresco é um dos nossos aplicativos que não inclui IA generativa e queremos garantir que quem cria obras incríveis manualmente possa dizer: ‘isso aqui fui eu que fiz, foi criado sem IA’”, afirma.
O novo selo faz parte de um pacote maior de atualizações. A Adobe também anunciou que seu modelo Firefly – voltado para uso comercial seguro – passará a ter suporte para vídeos e vetores.
Ao mesmo tempo em que sinaliza apoio à criação manual, a empresa continua apostando forte em IA, integrando modelos populares como ChatGPT (da OpenAI), Imagen e Veo (do Google) e Flux à sua suíte de programas.
Para garantir a autenticidade das obras, a Adobe vai usar o padrão Content Credentials. Criado inicialmente para combater desinformação, o sistema registra metadados sobre o processo criativo – uma espécie de recibo digital indicando onde e como um conteúdo foi produzido dentro do ecossistema da Adobe. Se você usou o ChatGPT para alterar uma imagem e depois a exportou para o Firefly para virar vídeo, isso vai aparecer nos dados.

Claro, em fluxos criativos que envolvem IA generativa, a noção de “origem” é quase impossível de rastrear. Afinal, o ChatGPT-4, por exemplo, foi treinado com 13 trilhões de tokens que não podem ser totalmente identificados. Mas o sistema da Adobe ainda oferece um nível de transparência útil para quem deseja justificar a autoria de sua obra – seja para clientes, seja para o público.
“Estamos vendo essa demanda principalmente em ilustração... mas não acho que seja exclusivo dos ilustradores”, explica Snowden. Plataformas concorrentes, como o Procreate, já adotaram uma postura claramente contrária à IA generativa – e o ceticismo em relação à tecnologia não se limita a uma única área criativa.
O recurso permite que artistas sinalizem que uma obra foi feita à mão, sem o uso de ferramentas de IA.
No entanto, vale lembrar que nenhum trabalho digital está completamente livre de algoritmos. Desde antes da popularização da IA generativa, softwares como os da Adobe já incorporavam tecnologias de inteligência artificial, ainda que de forma mais discreta, para suavizar traços ou interpretar gestos na tela.
Mesmo assim, o movimento da Adobe parece reconhecer um sentimento crescente entre criadores: o de que a IA pode representar não apenas uma revolução tecnológica, mas uma ameaça real ao olhar autoral e à sobrevivência de muitos profissionais.
Ao lançar ferramentas de IA ao mesmo tempo em que oferece maneiras de se afastar delas, a Adobe tenta ocupar os dois lados da balança, em um cenário onde o debate entre humano e máquina está longe de acabar.