Billie Eilish quer dar um destino nobre às camisetas de shows que encalharam

A artista e sua mãe se uniram à Bravado, divisão de merchandising da Universal Music Group, para reciclar quase meio milhão de peças não vendidas

Créditos: Billie Eilish/ Divulgação/ Freepik

David Salazar 4 minutos de leitura

Você já parou para pensar onde vão parar as camisetas de shows que nunca foram vendidas, mesmo depois de anos? No caso dos artistas representados pela Bravado – divisão de merchandising da Universal Music Group (UMG) –, muitas delas acabam esquecidas em um enorme galpão em Nashville, nos EUA, acumulando poeira.

Assim como acontece com o fast fashion, peças que não podem ser revendidas costumam ter dois destinos: acabam em lixões ou são enviadas para países do Sul Global. Paquistão, Quênia e Índia, por exemplo, importam anualmente milhares de toneladas de roupas usadas vindas do Ocidente.

Buscando um novo destino para esse estoque parado, a Bravado decidiu enviar 400 mil camisetas para o Marrocos. Lá, a fabricante Hallotex – com sede na Espanha – vai transformar boa parte dessas peças em fio de algodão, que será reutilizado na confecção de novas camisetas 100% recicladas.

As que não puderem ser reaproveitadas serão trituradas e usadas como material de isolamento em construções. No fim do processo, a Bravado terá cerca de 280 mil camisetas novas, que serão relançadas como produtos oficiais de artistas no mercado europeu – a tempo das festas de fim de ano.

A ideia foi liderada por uma das principais artistas da UMG: Billie Eilish. Ela e sua mãe, Maggie Baird, vêm há anos trabalhando para tornar as turnês e os produtos da artista mais sustentáveis – incentivando o uso de garrafas reutilizáveis nos shows, colaborando com designers independentes em coleções recicladas e priorizando algodão orgânico ou reciclado nas roupas. Com o novo projeto, elas ajudam a UMG a adotar tecidos reciclados em maior escala.

Produtos como camisetas, bonés e pôsteres sempre foram parte essencial da conexão entre artistas e fãs. Mas, na era do streaming, esses itens ganharam ainda mais importância já que, para muitos músicos, a venda de álbuns deixou de ser a principal fonte de renda.

A consultoria Midia Research estima que o mercado global de produtos licenciados por artistas movimentou cerca de US$ 14 bilhões em 2024 – e deve alcançar US$ 16,3 bilhões até 2030. Fontes do setor afirmam que grandes artistas podem chegar a faturar mais de US$ 10 milhões por ano apenas com merchandising.

camisetas de shows de artistas que não foram vendidas e serão  recicladas
Crédito: UMG/ Bravado

Nos últimos anos, Billie Eilish tem pressionado a Bravado a usar corantes não tóxicos e tintas à base de água nas estampas, substituindo insumos sintéticos que consomem muitos recursos naturais e são altamente poluentes – sendo, inclusive, responsáveis por grande parte da contaminação da água no mundo.

Segundo Maggie Baird, essa preocupação com sustentabilidade acompanha a trajetória da filha desde o início. “A gente já pedia alternativas sustentáveis quando ela ainda nem era famosa”, lembra. “Foi como empurrar uma pedra morro acima durante muito tempo.”

Mas existe outro desafio importante na produção de itens mais sustentáveis: o preço. “Sustentável quase sempre significa mais caro – tanto para a empresa quanto para o consumidor”, diz Matt Young, presidente da Bravado.

o mercado global de produtos licenciados por artistas deve chegar a US$ 16,3 bilhões até 2030

Em alguns casos, o custo pode ser até 30% maior do que o de um produto novo. Por isso, muitos artistas assumem a responsabilidade de explicar aos fãs por que aquela camiseta ecológica custa mais do que a de outro artista.

Nos shows, Billie exibe um vídeo explicando como suas peças são produzidas de forma mais consciente – algo que tem dado resultado. A apresentação da cantora em Quebec, no Canadá, bateu o recorde de vendas de merchandising em um único dia no local.

No final do ano passado, a Bravado lançou uma coleção limitada com a Target, com camisetas feitas de algodão reciclado e orgânico. Segundo Young, a coleção fez tanto sucesso que a varejista já encomendou novos lotes.

camiseta da coleção Billie Eilish em parceria com a Target
Crédito: UMG/ Bravado

Com outros artistas da UMG – como Shawn Mendes, Lorde e os Rolling Stones – também exigindo soluções mais sustentáveis, Young afirma que a empresa está se preparando para expandir ainda mais seu compromisso.

Nos últimos anos, a UMG vem testando os processos da Hallotex em projetos menores. Agora, com o envio em massa de peças encalhadas, a empresa quer descobrir se é possível – nas palavras de Young – “aproveitar a economia que a produção sustentável em larga escala pode oferecer”.

ESCALA É A CHAVE

Com sede em Barcelona, a Hallotex já é parceira de marcas como Zara, J.Crew, Eileen Fisher e Mara Hoffman –, todas em busca de soluções mais sustentáveis. Em colaboração com a fabricante de fibras têxteis Lenzing, a empresa também utiliza Tencel – uma fibra celulósica, biodegradável e não tóxica – em suas peças.

Por enquanto, a UMG ainda não calculou a redução real nas emissões de carbono com a reciclagem das 400 mil camisetas. Mas, segundo Young, o objetivo é claro: usar a parceria com a Hallotex como uma forma mais inteligente de dar um destino ao estoque encalhado.

O próximo passo é envolver mais artistas nesse movimento, fortalecendo a atuação de empresas como a Hallotex – e de outras fornecedoras. “Nosso objetivo final é tornar esse processo tão comum e aceito que o preço caia, a ponto de ninguém se importar – ou nem perceber – que pagou um pouco a mais por uma camiseta”, diz Young.


SOBRE O AUTOR

David Salazar é editor associado da Fast Company. saiba mais