Calibri é “woke”? Times New Roman é tradicional? Polarização chega à tipografia

Mudança de Calibri para Times New Roman nos documentos do governo dos EUA expõe tensões entre modernidade, inclusão e conservadorismo

Crédito: Joakim Jonas/ Getty Images

Hunter Schwarz 3 minutos de leitura

Calibri e Times New Roman travam uma disputa antiga. As duas fontes voltam a se enfrentar depois que o Departamento de Estado dos EUA anunciou que vai trocar sua atual tipografia oficial, a Calibri, pela Times New Roman.

É uma espécie de fechamento de ciclo, considerando que o próprio departamento havia abandonado a Times New Roman em favor da Calibri em 2023.

O secretário de Estado Marco Rubio escreveu que a mudança para a Calibri foi “desperdício” e “não alcançou nada além da degradação da correspondência oficial do departamento”, segundo um memorando interno obtido pela agência Reuters e pelo "The New York Times".

O designer responsável pela fonte sem serifa Calibri considera a decisão de Rubio “hilária e lamentável”.

Lucas de Groot criou a Calibri em 2007 especificamente para facilitar a leitura em telas de computador. A largura e a curvatura das letras foram otimizadas para garantir legibilidade. A fonte substituiu a Times New Roman como padrão do Microsoft Office em 2007 (antes de ser trocada pela Aptos em 2023).

Em 2023, o Departamento de Estado decidiu substituir a Times New Roman pela Calibri para todas as comunicações e memorandos oficiais, numa tentativa de ampliar a acessibilidade.

Na época, o então secretário Antony Blinken afirmou que a Times New Roman “pode criar problemas de acessibilidade para pessoas com deficiência que utilizam tecnologia de reconhecimento óptico de caracteres ou leitores de tela”.

Crédito: Fast Company

Nem todos gostaram da mudança, mas de Groot acredita que foi a decisão correta. “Havia boas razões para abandonar a Times”, defende o designer.

“A Calibri tem desempenho excepcional em tamanhos pequenos e em monitores comuns de escritório, enquanto fontes serifadas como a Times New Roman tendem a parecer mais distorcidas.”

UMA TIPOGRAFIA DA DIVERSIDADE

No memorando enviado, com o título “Retorno à tradição: fonte Times New Roman 14 pontos obrigatória para todos os documentos do departamento”, Rubio chamou a Calibri de “informal” e disse que ela “conflita” com o cabeçalho oficial. Também criticou a mudança anterior, classificando-a como uma iniciativa “radical” de diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade.

Blinken, antecessor de Rubio, adotou a Calibri em 2023 por recomendação do departamento de diversidade e inclusão, justamente por sua acessibilidade e facilidade de leitura para pessoas com deficiência. Agora, a fonte se vê envolvida na mais ampla “guerra ao politicamente correto” travada pelo governo Trump.

nome do Departamento de Defesa dos EUA escrito em fonte Calibri e em Times New Roman
Times New Roman (em cima); Calibri (em baixo)

Fontes serifadas, com seus pequenos “pés” nas extremidades das letras, são às vezes percebidas como mais conservadoras. Já as sem serifa costumam ser associadas ao moderno e progressista, embora isso esteja longe de ser uma regra.

“As serifadas geralmente são vistas como mais tradicionais, mas também são mais difíceis de usar de forma eficaz”, diz de Groot, destacando que o espaçamento é visivelmente inconsistente em palavras escritas em maiúsculas com Times New Roman, como “Chicago”, e que a fonte parece fina demais quando impressa com alta qualidade.

Para muitos leitores, porém, a preferência tipográfica tem menos a ver com política e mais com gosto pessoal e familiaridade. Houve reclamações internas quando o departamento migrou para a Calibri – reclamações que soam exatamente como o típico descontentamento quando alguém é obrigado a trocar o Slack pelo Teams.

“A ideia de que uma tipografia é ‘politicamente correta’ é meio absurda”, afirma o designer Jonathan Hoefler, responsável pela tipografia da campanha Biden-Harris e coautor da Gotham, usada por candidatos dos dois partidos.

As fontes não são boas ou ruins, diz Hoefler. Elas são apenas desenhadas para resolver problemas diferentes. A Times New Roman foi criada para textos de jornal; a Calibri, para telas. “Nenhuma delas é boa ou uma. Elas só foram projetadas de acordo com seus contextos”, resume.


SOBRE O AUTOR

Hunter Schwarz é colaborador da Fast Company e acompanha de perto os pontos de contato entre design e publicidade, branding, negócios,... saiba mais