Coca Cola está substituindo seu guia de 400 páginas sobre uso da marca por IA

Desde 2024, duas gigantes do branding vêm trabalhando juntas na próxima geração de ferramentas de inteligência artificial

Crédits: Adobe/ Coca-Cola

Mark Wilson 4 minutos de leitura

Na década de 1930, Robert W. Woodruff, então presidente da Coca Cola, carregava em sua carteira um pequeno pedaço de tecido vermelho. Mas não era qualquer vermelho – era o “vermelho Coca Cola”. Sempre que via a marca estampada em um freezer ou em uma parede, ele sacava o tecido para conferir se a cor estava correta.

Woodruff entendia a importância da identidade visual. Hoje, a Coca-Cola vende 2,2 bilhões de produtos por dia, em mais de 200 países, 150 idiomas e 30 milhões de pontos de venda.

Mas, enquanto ele usava um pedacinho de pano, o atual time de design passou os últimos quatro anos desenvolvendo um extenso manual de 400 páginas das diretrizes de uso da marca. Agora, em parceria com a Adobe, a Coca-Cola deu o próximo passo: criou o Projeto Fizzion.

Treinado com base na própria lógica visual da empresa, o Fizzion é uma inteligência artificial voltada à gestão de identidade visual que funciona dentro de plataformas como o Photoshop e o Illustrator. Ele gera designs, mas, mais importante, ajuda criativos pelo mundo todo a seguir os padrões da marca enquanto criam novas campanhas.

Em um momento no qual o design vive entre o entusiasmo e o receio em relação às ferramentas de IA generativa, a empresa deixa claro que o Fizzion não foi criado para cortar custos com automação.

A IA da Coca Cola está sendo adotada globalmente sem nenhuma redução nos investimentos em campanhas. A intenção da empresa é tornar o trabalho criativo mais sustentável – com mais agilidade e menos pressão.

“O Fizzion nunca foi pensado como uma ferramenta para automatizar o design”, explica Rapha Abreu, vice-presidente global de design da Coca-Cola. “Ele é um copiloto criativo: movido por IA, mas guiado por designers.”

SONHANDO COM UMA NOVA IA

Quando Abreu assumiu o cargo em 2021, sua equipe – acostumada a passar horas explicando a agências parceiras por que certas ideias, mesmo boas, violavam as diretrizes de marca – começou a imaginar uma nova abordagem. Afinal, uma única campanha da Coca-Cola pode envolver até cinco mil peças. Gerenciar tudo isso havia se tornado inviável.

Crédito: Adobe/ Coca Cola

“Tivemos uma ideia meio maluca: e se o logo da Coca-Cola pudesse ‘aprender’ o que pode e o que não pode ser feito?”, conta Abreu. A partir disso, surgiu a ideia de um sistema capaz de impedir automaticamente o uso incorreto do logo. Depois, expandiram o conceito para incluir cores, tipografias e imagens de campanhas.

Era um plano ambicioso, mas não tão distante quanto parecia. Pouco tempo depois, o mundo seria tomado por ferramentas de IA generativa como o ChatGPT.

Adobe, Canva e outras plataformas rapidamente lançaram soluções que tentam aplicar diretrizes de marca automaticamente a partir de arquivos PDF. Às vezes funciona. Às vezes, não.

painel com imagens do logotipo, de anúncios e produtos da Coca Cola
Crédito: Adobe/ Coca Cola

Essas diretrizes nem sempre se traduzem bem em projetos mais complexos – o que é compreensível. Muitas vezes, estamos falando de construções visuais que são mais intuitivas do que explícitas.

Por isso, a Coca-Cola optou por outro caminho: em vez de começar pelo texto, começou pelas imagens. O plano era ensinar a inteligência artificial por meio da sensibilidade visual da marca. Em parceria com a Adobe, criou o Projeto Fizzion, uma nova abordagem para treinar e aplicar IA em larga escala.

COMO A IA DA COCA COLA APRENDE?

Enquanto muitas inteligências artificiais são treinadas com bancos de imagens genéricas, o Fizzion foi alimentado com sistemas reais de identidade visual e materiais publicitários da Coca-Cola. Diferente de geradores como Firefly ou DALL·E, ele não cria do zero – seu papel é gerar variações com base em designs já existentes, combinando elementos da marca.

“Quando você está construindo um sistema de identidade visual, o modelo precisa aprender não só a partir das imagens, mas das relações entre os componentes – como o texto interage com os outros elementos da composição”, explica Ash King, diretor de soluções empresariais da Adobe.

painel com imagens do logotipo, de anúncios e produtos da Coca Cola
Crédito: Adobe/ Coca Cola

A IA da Coca Cola consegue analisar, em tempo real, a tela em que o designer está trabalhando – incluindo a posição do logo, das imagens e da tipografia. Mas ela só aprende com o trabalho dos designers quando um projeto é finalizado. Ou seja, quando uma peça é salva com todos os elementos em conformidade com os padrões da marca, ela passa a fazer parte do repertório do Fizzion IA.

Nesse momento, a IA da Coca Cola também armazena todos os elementos do design, para que possam ser reutilizados sempre que necessário. A partir daí, a ferramenta se conecta à cadeia global de produção, permitindo que parceiros ajustem materiais sem comprometer a identidade visual da marca.

A Coca-Cola está apostando alto no Fizzion. Desde março, todas as agências parceiras precisam usar seu banco de dados para criar campanhas. A equipe responsável pelo projeto acredita que a ferramenta é tão eficiente na aplicação das diretrizes que o antigo manual de 400 páginas logo se tornará obsoleto.


SOBRE O AUTOR

Mark Wilson é redator sênior da Fast Company. Escreve sobre design, tecnologia e cultura há quase 15 anos. saiba mais