Do trabalho à balada, como a New Balance reinventou o mocassim
O 1906L é intrigante porque apresenta uma tese sobre como os tênis podem evoluir para continuar relevantes

Eles combinam com tudo. O lançamento do New Balance 1906L no ano passado inaugurou um novo tipo de calçado: o tênis mocassim, ou (por favor, nunca use esse termo em voz alta) mocatênis. Com aparência de mocassim, tecidos técnicos e solados de espuma com amortecimento, eles representam uma nova fusão entre o estilo formal e o streetwear.
Mas os mocatênis fizeram mais do que redefinir o que entendemos por tênis: eles ressuscitaram os mocassins como um todo. Karis Munday, analista da consultoria de tendências Edited, afirma que as vendas de mocassins subiram 33% entre os homens e 28% entre as mulheres nos EUA, e não vê essa tendência desacelerar tão cedo.
“O modelo inspirado em tênis será um investimento obrigatório, oferecendo uma solução smart casual que funciona tão bem em ambientes corporativos quanto no fim de semana”, diz ela, ao classificar o 1906L de “modelo de referência” para o setor.
Mas como a New Balance sabia que poderia apostar nessa ideia?

“Um mocassim é um sapato preppy. A New Balance tem conotações preppy”, explica Charlotte Lee, gerente de design da marca e criadora do 1906L.
O estilo preppy tem origem nos colégios e universidades de elite dos Estados Unidos (preparatory schools, daí o nome prep/ preppy). Ele reflete uma estética associada a estudantes desses ambientes, geralmente ligada à classe média alta e a um visual considerado “arrumado”, tradicional e elegante sem exageros.
O preppy não é só um guarda-roupa: é um estilo que comunica status – educação de elite, tradição, sofisticação e discrição. Hoje, claro, a cultura preppy se tornou mainstream e é reinterpretada pelas marcas.
MAS DE ONDE SAIU O MOCATÊNIS?
O 1906L é intrigante porque apresenta uma tese sobre como os tênis podem evoluir para continuar relevantes. É um projeto raro que conseguiu vencer o ruído e redefinir a indústria.
“[O 1906L] nasceu do conceito de integração, da justaposição entre dois mundos: a influência do vestir formal na sociedade e na cultura, de um lado, e a moda e tendência, de outro”, explica Lee.
Ao observar a crescente presença dos mocassins – aparecendo aqui e ali no mercado de luxo no início dos anos 2020 –, ela encontrou o contraste perfeito para os tênis.
Com a ideia formulada na cabeça, a forma surgiu quase imediatamente. De fato, o primeiro rascunho de Lee chegou à produção com apenas alguns ajustes sutis. Quando ela apresentou o modelo à equipe, a resposta foi um raro e unânime sim. Isso aconteceu cerca de 18 meses antes do lançamento do calçado.
Ela diz que só depois entendeu por que o projeto fluiu tão bem: o sapato precisava ser assim para parecer um autêntico New Balance. A aparência de mocassim já falava por si mesma.
Quando pergunto por que meus mocatênis parecem combinar com tudo no meu armário, Lee afirma que isso foi totalmente intencional. Ela buscou o preto, o branco e até o prata do modelo no portfólio de tênis casuais da marca (como o 1906R). São cores testadas e aprovadas para os mais variados estilos.
UMA TENDÊNCIA QUE VEIO PARA FICAR
Na verdade, essa história vai além da união improvável de duas ideias. O mocatênis talvez apresente uma das primeiras teses realmente convincentes sobre como os tênis podem evoluir e como podemos conciliar a preferência por espumas macias com visões mais amplas e formais de autoexpressão.
O Knwls Air Max Muse, uma colaboração entre a Nike e a grife londrina Knwls, parece acelerar esse raciocínio. À primeira vista, ele pode parecer um tênis com inspiração em sapatilhas de balé – e é. Mas, ao observar melhor, percebe-se também a sombra suave de um mocassim.


Já os Sneex (criados pela fundadora da Spanx), como outras tentativas explícitas de transformar salto alto em tênis, são considerados por muitos um tanto constrangedores por não terem sido refinados a partir da linguagem estética e das limitações que definem um tênis. O Muse, por outro lado, é praticamente um salto alto para a era sneaker.
Agora, assistimos a uma evolução dos próprios tênis, impulsionada por uma cultura que finalmente está disposta a reconciliar seus materiais e referências técnicas não apenas como elementos para desempenho esportivo ou modismo, mas como uma tradição de design essencial tanto para o ofício quanto para a cultura.
Só, por favor, não o chame de “mocatênis”.