Encanto para todos: mágicos criam truques “inclusivos” para pessoas cegas

Desafiados a criar truques que não dependessem da visão, tato, olfato ou paladar, mágicos desenvolveram a ideia de teletransporte auditivo

Créditos: AndyL/ Getty Images/ Google DeepMind/ Unsplash

Elissaveta M. Brandon 4 minutos de leitura

Tirar um coelho da cartola. Teletransportar-se de uma gaiola em um lado da sala para outra do outro lado. Achar uma moeda atrás da orelha de uma criança. Os truques de mágica sempre fascinaram o público, mas um grupo frequentemente é excluído dessa experiência: pessoas cegas.

Pense nos truques clássicos. A reação de surpresa quando o coelho aparece na cartola. O espanto ao ver alguém que estava em um canto do palco surgir em outro.

Essas ilusões dependem da visão para funcionar. Para que pessoas cegas possam apreciar esses truques, seria necessário reinventá-los por completo. E foi exatamente isso que alguns mágicos fizeram.

Em novembro, dezenas de mágicos de todo o mundo se reuniram em Las Vegas para a conferência da Science of Magic Association. No evento, membros do MAGIC Lab (Laboratório de Atenção Mental e Cognição Ilusória Geral), da Universidade de Plymouth, anunciaram os vencedores do Auditory Magic Challenge, uma competição envolvendo truques baseados exclusivamente em sons.

Meses antes, o MAGIC Lab desafiou mágicos a criarem ilusões que não utilizassem visão, tato, olfato ou paladar, mas que fossem capazes de despertar fascínio apenas por meio do som. Sem pistas verbais ou truques mentais. Onze mágicos da Europa, Índia, Japão e Estados Unidos participaram, mas um truque se destacou: uma ilusão sonora que simula um teletransporte.

Neste truque, o mágico parece se mover de um canto da sala para outro, usando apenas sons para enganar a percepção do público.

Três mágicos apresentaram variações semelhantes e, por isso, o júri – formado por mágicos, acadêmicos e pessoas cegas – premiou os três. Embora ainda não haja planos para apresentar os truques ao público, a competição mostrou que é possível criar experiências mágicas inclusivas para todos.

O CONE DA CONFUSÃO

O truque vencedor se baseia em um fenômeno psicológico chamado “cone da confusão”, no qual uma pessoa não consegue identificar com precisão a origem de um som. Se você já ficou confuso tentando descobrir de onde está vindo uma sirene de ambulância enquanto dirigia, já vivenciou isso.

Mas esse fenômeno, por si só, não é o suficiente para ser chamado de mágica. Para que seja considerado um truque, ele precisa criar “a ilusão do impossível”. O público precisa pensar: “isso não pode ser real!”.

Ed Brims, um dos mágicos vencedores, transformou o cone de confusão em um truque ao criar uma experiência de teletransporte auditivo para seu filho de 10 anos, Felix, que estava vendado no centro de uma sala.

Fonte: How Stuff Works

Primeiro, Brims andou ao redor de Felix enquanto batia uma colher em uma garrafa de vidro, pedindo ao menino que apontasse para onde achava que o som vinha. Depois, continuou o truque em silêncio, movendo-se pelo ambiente e produzindo som em diferentes pontos.

Brims bateu a garrafa atrás de Felix, que apontou para trás. Em seguida, fez o mesmo na frente, mas seu filho continuou apontando para trás. Então, disse: “puf... estou aqui” e revelou estar em um local diferente, criando a ilusão de um teletransporte.

O “puf” foi fundamental, pois garantiu que o truque permanecesse inclusivo até o fim. No vídeo, Felix retira a venda para confirmar onde o pai estava, mas o som final permitiu que pessoas cegas também compreendessem o truque sem depender da visão.

Antes de se tornar engenheiro de software, Brims trabalhou no Google, onde desenvolveu formas de transformar gráficos em música. Ele conheceu o conceito de cone de confusão através do mágico brasileiro Antonio Bourgeois, em 2022. Quando o desafio foi anunciado, Brims viu uma oportunidade e transformou a ideia em um truque prático e inovador.

O FUTURO DA MÁGICA

O truque é empolgante, mas traz alguns desafios. Primeiro, é provável que esse truque específico possa ser realizado apenas uma vez, pois o cérebro aprende o que esperar e se recusa a ser enganado novamente (Brims diz que Felix, inicialmente, não tinha ideia do que ia acontecer).

O truque também pode não ser completamente confiável como está. Quando o diretor do MAGIC Lab, Gustav Kuhn, tentou recriar o truque de Brims, teve que adaptá-lo trazendo uma segunda pessoa, porque seus alunos podiam claramente ouvi-lo andando na primeira vez. Mesmo assim, funcionou.

Gustav Kuhn (Crédito: Reprodução/ Facebook)

Tecnicamente falando, Brims e os dois outros mágicos que submeteram truques semelhantes – Kent Cummins, dos EUA, e Clément Le Roux, da França – também quebraram algumas regras ao usar uma boa quantidade de linguagem para construir a história e ambientar a cena (um luxo que os juízes haviam proibido).

Perguntei a Kuhn sobre a necessidade de tais medidas draconianas, e ele respondeu da única maneira que um mágico responderia: pegou um pequeno patinho de borracha que ele (naturalmente) tinha em sua mesa, brincou com ele entre as mãos uma, duas vezes, então, puff! O patinho de borracha desapareceu sem que Kuhn tivesse sequer aberto a boca.

Ainda assim, o diretor do MAGIC Lab reconheceu que sua equipe foi longe demais com as restrições. Assim, estão planejando uma segunda competição, que vai ampliar um pouco o escopo e convidar mágicos a criar truques que possam envolver qualquer sentido além da visão – e talvez um pouco de linguagem também.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais