Esta modelo conta como a indústria da moda está manipulando a IA
O Fashion Workers Act de Nova York criaria proteções trabalhistas básicas para modelos - inclusive em relação ao uso de suas imagens digitais e ao conteúdo gerado por IA
Se você costuma acompanhar o mundo da moda, sabe bem da importância da New York Fashion Week. É mais do que uma série de desfiles; é uma referência para a moda mundial – uma celebração vibrante da criatividade que reúne os designers e artistas mais talentosos do mundo. Mas, em sua essência, a NYFW deve seu sucesso aos modelos que dão vida a essas criações artísticas.
Este ano, nós, modelos, estávamos fazendo mais do que apenas trabalhar: estávamos defendendo uma mudança necessária em nosso setor. Durante a NYFW e em outras ocasiões, os modelos se reuniram em apoio ao Fashion Workers Act, um projeto de lei inovador que criaria proteções trabalhistas básicas para modelos e os protegeria de assédio e abuso.
Se for sancionado pela governadora do Estado de Nova York, Kathy Hochul, esse projeto de lei será uma vitória significativa (e há muito tempo esperada) não apenas para os modelos, mas também para os trabalhadores de todos os setores.
A Lei dos Trabalhadores da Moda ganhou atenção, com razão, por sua promessa de regulamentar as empresas de gerenciamento de modelos, que exercem grande controle sobre os profissionais que elas representam, sem nenhuma obrigação de agir em defesa dos interesses deles.
Mas as conversas sobre o projeto de lei geralmente ignoram um aspecto crucial: as cláusulas que protegem os modelos contra o uso indevido da inteligência artificial. O Fashion Workers Act visa proteger a força de trabalho de hoje e salvaguardar nossos direitos no futuro.
A legislação estabelece proteções quanto ao uso da réplica digital de um modelo. Especificamente, ela vai garantir que as réplicas digitais – conteúdo visual gerado por IA usando a imagem de um modelo – possam ser usadas somente com seu consentimento expresso.
Assim como para um ator de Hollywood, a imagem de um modelo é fundamental para sua profissão e seu sustento. Mas, atualmente, nada impede que uma marca de moda ou uma agência de gerenciamento crie uma imagem falsa de um modelo sem sua permissão, com roupas que ela/ ele nunca usou ou com produtos que nunca concordou em promover.
Além de impedir o uso não autorizado da imagem, a lei proíbe as empresas de manipular ou alterar a cópia digital de um modelo sem consentimento. Isso é essencial em um setor no qual a IA poderia ser usada para ajustar a altura, o peso, o tom de pele ou as características faciais da pessoa – ações que não apenas exploram modelos, mas também perpetuam padrões de beleza prejudiciais com consequências reais para a saúde pública e a autoestima.
Para mim, essa questão não é teórica, é pessoal. No ano passado, participei do desfile de moda de Michael Costello em Los Angeles com um vestido de festa preto. Depois, Costello publicou uma foto minha com o rosto alterado digitalmente para parecer uma mulher branca. Minha mãe foi a primeira a perceber, e sua indignação foi tão dolorosa que jamais esquecerei.
Com um único clique, ele apagou não apenas a minha identidade, mas também as horas de trabalho investidas pelo maquiador, cabeleireiro, fotógrafo e por mim. Isso não foi apenas uma ofensa profissional: ele ressaltou a facilidade com que a IA pode ser usada como arma contra trabalhadores vulneráveis quando não há barreiras de proteção.
A Lei dos Trabalhadores da Moda trata exatamente desse problema. Ao exigir consentimento claro e por escrito para a criação ou alteração de reproduções digitais, ela garante que os modelos mantenham o controle sobre sua imagem.
Assim como para um ator de Hollywood, a imagem de um modelo é fundamental para sua profissão e seu sustento.
Igualmente importante, a lei fechará uma brecha legal ao impedir explicitamente que as agências tenham uma procuração sobre a réplica digital de um modelo – um passo crucial para proteger os trabalhadores de serem explorados pelas próprias pessoas encarregadas de representá-los.
As disposições da lei vão além da passarela. Ao dar aos profissionais o controle sobre o uso de sua imagem digital, ela desafia a prática de longa data do setor de tratar modelos como mercadorias e reafirma seu status de profissionais criativos.
Ao estabelecer parâmetros claros que proporcionam aos trabalhadores uma medida de controle sobre o uso de sua imagem, a Lei dos Trabalhadores da Moda pode servir como um guia para proteção contra uso de IA em outros setores criativos.
Ao priorizar o consentimento do trabalhador sem eliminar o uso da IA, a legislação pode ajudar a provar que não precisamos escolher entre a inovação tecnológica e o poder do trabalhador: o progresso tecnológico e a proteção precisam coexistir.