Este é o primeiro museu de arte do mundo a refletir sobre o tema da migração

As galerias do museu Fenix, na Holanda, reúnem histórias pessoais de identidade e deslocamento pelo mundo todo

Crédito: Iwan Baan

Elissaveta M. Brandon 4 minutos de leitura

Ma Yansong gesticula diante de uma escada em espiral no átrio de um prédio. Fundador do MAD Architects, está em Roterdã, na Holanda para inaugurar seu primeiro museu na Europa. Ele fala sobre movimento. De formas, sim, mas sobretudo de pessoas.

O museu, batizado de Fenix, ocupa uma posição emblemática à beira do histórico porto de Roterdã – o mesmo local que abrigou a primeira Chinatown da Europa continental. Foi dali, às margens do rio Maas, que milhões de imigrantes embarcaram rumo à América do Norte em busca de um futuro melhor.

Agora, no mesmo prédio que já foi o maior armazém portuário do mundo, da Holland America Line, Yansong propõe uma reflexão sobre o significado da migração.

Com curadoria centrada em narrativas humanas, o museu Fenix talvez seja o primeiro museu de arte no mundo inteiramente dedicado ao tema. As exposições se distribuem por dois andares amplos e iluminados, no interior de um galpão centenário restaurado por arquitetos locais.

Conectando os andares está uma escadaria sinuosa projetada pelo MAD, que atravessa o teto e se transforma em uma plataforma panorâmica com vistas amplas da cidade.

“A escada é um elemento arquitetônico, mas também uma metáfora; ela tem uma função narrativa”, explica Yansong.

lobby com escada em forma de tornado no museu Fenix
Crédito: Iwan Baan/ MAD Architects

A abertura do museu Fenix ocorre em um contexto global em que imigrantes são frequentemente alvo de preconceito, hostilidade e expulsão. Em contraste, o museu adota uma abordagem empática.

“Mostramos que migração não se trata de números ou estatísticas. É sobre pessoas”, afirma Anne Kremers, diretora da instituição. “Há uma história de migração em toda família. Nosso ponto de partida é mostrar que todos somos humanos.”

Essa ideia é sintetizada por uma escultura monumental de um sol suspensa no átrio, um lembrete visual de que todos vivemos sob o mesmo céu.

fotos em exposição no museu Fenix, em Roterdã
Crédito: Iwan Baan/ MAD Architects

As galerias reúnem histórias pessoais de identidade e deslocamento pelo mundo todo: de um talismã chinês pertencente a um homem queer que fugiu da China para a Europa até um ônibus da MTA em escala real, povoado por personagens esculpidos em madeira.

Em uma das mostras, o visitante é convidado a percorrer um labirinto de duas mil malas coletadas na Holanda, nos Estados Unidos e no Canadá.

MUSEU FENIX: ESCADA COMO METÁFORA

No coração do museu, a escadaria batizada de Tornado representa, segundo o próprio Yansong, sua interpretação da jornada migratória.

Formada por duas estruturas que se entrelaçam e se encontram em dois pontos distintos antes de conduzir o visitante ao topo, a escada simboliza as encruzilhadas e decisões de quem deixa o lar em busca de um novo começo. “Você precisa escolher”, afirma o arquiteto.

escada em forma de tornado no museu Fenix
Crédito: Iwan Baan/ MAD Architects

Lá em cima, do alto da plataforma, é possível avistar o antigo “cais das lágrimas”, de onde partiam os navios rumo ao desconhecido. A emoção desse momento – o aceno de despedida, a incerteza do futuro – ainda parece ecoar.

vista do  cais das lágrimas do alto do museu Fenix
Crédito: MAD Architects

Enquanto alguns museus preferem uma arquitetura discreta para não competir com as obras, Yansong optou por uma linguagem que amplifica as narrativas.

Há quem veja frieza no uso do aço em um espaço tão repleto de memórias íntimas. Mas o arquiteto oferece um contraponto simbólico: superfícies espelhadas refletem os visitantes, reforçando a experiência coletiva da travessia.

ARQUITETURA COM ALMA

O museu Fenix é o primeiro projeto cultural do MAD Architects na Europa – e o primeiro museu europeu projetado por um escritório chinês –, um marco que Yansong esperava há tempos. “É uma jornada para entender o outro. É isso que mais me empolga: ir a um novo lugar e tentar compreender.”

Natural de Pequim, Yansong cresceu nos tradicionais hutongs – vielas que seriam mais tarde demolidas pela modernização acelerada da China. Na juventude, estudou em Yale, trabalhou em Londres com Zaha Hadid, e depois retornou ao país natal.

Hoje, é parte da segunda geração de arquitetos chineses que redefiniram a paisagem arquitetônica após a abertura à iniciativa privada, nos anos 1990.

vista aérea do museu Fenix, em Roterdã
Crédito: Iwan Baan/ MAD Architects

Em 2012, ganhou notoriedade mundial com as torres curvas conhecidas como “Marilyn Monroe”, em Mississauga, no Canadá. Vieram outros projetos internacionais: um conjunto residencial em Paris, o One River North em Denver, entre outros.

Mas sua origem nunca deixou de influenciar sua visão. “Acho que a principal diferença entre a China e o Ocidente é que os chineses usam mais emoção”, diz.

vista lateral do museu Fenix, em Roterdã
Crédito: MAD Architects

Como em todos os seus projetos, Yansong começou o museu Fenix com um esboço à mão. “Você captura uma emoção em um momento. Eu tento manter isso até o fim, sem mudar, sem aperfeiçoar demais.”

Para ele, o museu é uma tradução poética da migração vivida por seu próprio povo – “os chineses estão em toda parte” – mas também uma homenagem ao movimento como experiência universal. “Movimento é algo que nos conecta a todos.”


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais