O legendário estúdio Abbey Road reabre após um banho de inovação

Seis a sete em cada dez filmes de Hollywood têm suas trilhas gravadas no icônico estúdio londrino

Créditos Kin Cheung/ AP Photo

Hilary Fox 4 minutos de leitura

No Estúdio Um do Abbey Road, em Londres, até uma simples demão de tinta pode ser um risco.

Famoso por receber artistas como Adele, Harry Styles e U2, o estúdio também é conhecido por trilhas sonoras históricas – de “Star Wars” e “Harry Potter” a “Wicked”, sem contar games como Call of Duty, Halo e Final Fantasy. Foi lá também que Ryan Gosling deu vida à famosa faixa “I’m Just Ken”, do filme “Barbie”.

Quase 100 anos depois de sua inauguração, o Estúdio Um passou por uma reforma milionária, com uma prioridade clara em mente: preservar seu som único.

“O que a gente mais queria era manter a acústica intacta. Cada detalhe da sala foi cuidadosamente preservado para garantir que nada mudasse no som”, explica Sally Davies, diretora administrativa do Abbey Road Studios.

A reverberação da sala – que tem mais de 450 metros quadrados – foi mantida em 2,3 segundos, exatamente como era nos anos 70. Não houve mudanças visuais ou estéticas: os painéis art déco continuam intactos. “Só lavamos as paredes para conservar o som”, diz ela.

Inaugurado em 1931, o Abbey Road foi o primeiro estúdio de gravação do mundo. Foi ali que o som estéreo nasceu. Até hoje, fãs de música do mundo todo passam por lá – muitos apenas para tirar uma foto do lado de fora.

Segundo Davies, mais de um milhão de pessoas por ano visitam a famosa faixa de pedestres na frente do estúdio – muitos tentando recriar a famosa capa do álbum “Abbey Road”, dos Beatles.

Esse número deve crescer ainda mais com os próximos filmes biográficos dirigidos por Sam Mendes, que vão trazer Paul Mescal, Barry Keoghan, Harris Dickinson e Joseph Quinn no papel dos fab four, os “quatro fabulosos de Liverpool”.

Apesar de os Beatles serem mais associados ao Estúdio Dois, eles também marcaram presença no Estúdio Um. Foi lá que protagonizaram a primeira transmissão global ao vivo da história, em 1967, com a música “All You Need Is Love”.

Mas o Estúdio Um já havia cravado seu nome na história da música muito antes disso. Sua estreia foi com ninguém menos que o compositor britânico Sir Edward Elgar, que gravou “Land of Hope and Glory” (uma espécie de hino não-oficial da Inglaterra) com a Orquestra Sinfônica de Londres.

O estúdio também já recebeu lendas como Maria Callas, Igor Stravinsky, Daniel Barenboim, Fats Waller e Glenn Miller.

Crédito: Divulgação

Com o dobro do tamanho do Estúdio Dois, o Estúdio Um comporta uma orquestra com 100 músicos e um coral com 100 vozes – o que o torna ideal para gravações de trilhas de cinema. Não por acaso, segundo o próprio estúdio, de seis a sete em cada 10 filmes de Hollywood têm suas trilhas gravadas ali.

ONDE A HISTÓRIA É FEITA

Do alto da varanda com vista para o salão de 12 metros de pé-direito, Davies aponta a antiga tela de projeção usada durante a gravação da trilha de “Os Caçadores da Arca Perdida”, de 1981, enquanto os músicos tocavam ao vivo acompanhando o filme.

De lá para cá, trilhas de filmes como “O Senhor dos Anéis”, “Pantera Negra”, “Guardiões da Galáxia” e “Barbie” passaram pelo Estúdio Um. Na gravação para "Barbie", todos os músicos foram ao estúdio com algo rosa – fosse um instrumento ou uma peça de roupa.

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“Você entra nessa sala e sente algo especial. Há uma magia no som. É algo fenomenal. Existe uma energia espiritual deixada por todos que já passaram por aqui”, conta Davies. “Sempre que um artista entra pela primeira vez, a reação é imediata: ‘meu Deus, estou no Estúdio Um’.”

Para marcar a reabertura, o Abbey Road apostou em uma forma de arte pouco comum por lá: a dança. A apresentação teve trilhas do compositor indicado ao Oscar Daniel Pemberton, remixadas pelo artista residente Jordan Rakei e coreografadas por Joseph Toonga.

o Estúdio Um comporta uma orquestra com 100 músicos e um coral com 100 vozes.

A primeira gravação no Estúdio Um desde a reforma será de uma franquia de Hollywood ainda mantida em segredo. E segredos não faltam por ali. Um deles envolve o próprio Pemberton, que planeja usar o som metálico das novas grades do estúdio em uma trilha.

Havia o receio de que as barras ocas, no estilo art déco, pudessem interferir na acústica. Um plano B chegou a ser preparado: preenchê-las com areia, se fosse necessário.

Mas, felizmente, não foi. Pemberton ficou fascinado com o som que produzem quando alguém passa correndo por elas com um molho de chaves – mais um daqueles sons únicos que só o Estúdio Um consegue criar. Em breve, ele também será ouvido nos cinemas do mundo todo.


SOBRE A AUTORA

Hilary Fox é repórter da Associated Press. saiba mais