Frank Gehry, o mago que mudou a forma e a tecnologia da arquitetura
Mestre das curvas e do titânio, ele impulsionou ferramentas digitais que redefiniram o projeto e a construção no século 21

Para um arquiteto cujo nome e cuja obra se tornaram conhecidos no mundo inteiro por leigos e fãs de arquitetura, os prédios de Frank Gehry estão tão distantes do convencional quanto é possível imaginar. Retorcidos, curvos e revestidos de metal reluzente, os edifícios mais famosos de Gehry, que morreu na semana passada aos 96 anos, também figuram entre os mais improváveis.
Criar os desenhos exuberantes de marcos arquitetônicos como o Museu Guggenheim, em Bilbao, e o Walt Disney Concert Hall, em Los Angeles, foi apenas parte do que fez de Gehry um dos arquitetos mais bem-sucedidos e celebrados do mundo.
Igualmente impressionantes foram as formas como Gehry ajudou a explorar e ampliar as tecnologias de arquitetura necessárias para transformar esses projetos sinuosos em realidade — revolucionando a prática arquitetônica no processo.
Gehry trabalhou durante décadas para avançar em novas tecnologias e abordagens de gestão de projetos que mudaram radicalmente a forma como arquitetos trabalham e a inventividade que puderam imprimir aos edifícios modernos.
Apesar de alegar quase não entender de computadores, Gehry e sua firma sediada em Los Angeles, a Gehry Partners, estiveram na vanguarda da aplicação de soluções tecnológicas avançadas ao design arquitetônico, à engenharia, ao gerenciamento de projetos e à construção desde os anos 1980.

PROCESSO DIGITALIZADO
Gehry foi um dos primeiros arquitetos a experimentar e adotar abordagens de desenho assistido por computador, como a otimização de resultados por design paramétrico e a digitalização completa do processo — do conceito à construção — por meio do building information modeling (BIM).
Hoje práticas comuns no setor, essas técnicas eram território desconhecido quando Gehry e sua equipe começaram a usá-las.
A virada para Gehry veio depois que seu escritório venceu a concorrência para projetar um grande pavilhão para as Olimpíadas de 1992, em Barcelona. Escultor por natureza, Gehry concebeu um enorme peixe abstrato a ser construído com painéis de malha de aço inoxidável.

Traduzir o conceito em um conjunto de plantas bidimensionais viáveis se mostrou complexo. Segundo um artigo da Priceonomics sobre o projeto, um empreiteiro tentou construir um protótipo seis vezes — todas sem sucesso.
A equipe de Gehry encontrou a solução em um software desenvolvido por uma fabricante aeroespacial. Criar um modelo 3D avançado permitiu comunicar com clareza as formas e curvas precisas do projeto aos construtores no canteiro de obras. O pavilhão foi concluído dentro do prazo e do orçamento.
Foi uma transformação para o escritório, que passou a levar modelos 3D além da fase de design e a utilizá-los até a construção. Isso agilizou a execução dos edifícios mais complexos de Gehry e reduziu alterações que poderiam comprometer a fidelidade do projeto.
Gehry aplicou essa abordagem em seu grande projeto seguinte, o Museu Guggenheim de Bilbao, inaugurado em 1997. Com uma forma física altamente complexa e um exterior composto por milhares de chapas de titânio dobradas e curvas, o edifício estava longe de ser simples.
O modelo 3D avançado se tornou uma versão inicial do BIM. A sigla de Building Information Modelling (ou Modelagem da Informação da Construção) é um conjunto integrado de processos e tecnologias que permite criar, utilizar, atualizar e compartilhar de forma colaborativa modelos digitais de uma construção, criando a possibilidade de servir a todos os participantes do empreendimento durante o ciclo de vida da construção.
Isso permitiu criar uma fonte única de informação sobre o projeto, utilizada tanto pelos arquitetos quanto por empreiteiros e profissionais responsáveis pela construção.
A TECNOLOGIA COMO SERVIÇO
Essa constatação levou o escritório a transformar sua expertise em serviço. Em 2002, foi criada a Gehry Technologies, uma subsidiária que desenvolveu uma ferramenta de modelagem 3D específica para arquitetura, inspirada na experiência do escritório com softwares aeroespaciais — além de uma plataforma de colaboração em nuvem para levar os modelos 3D do conceito ao edifício construído.
A tecnologia desenvolvida por Gehry hoje fundamenta plataformas de colaboração de design em nuvem usadas por mais de um milhão de clientes e influenciou a forma de softwares 3D da Autodesk, que firmou parceria com a Gehry Technologies em 2011.
À medida que arquitetos contemporâneos adotaram formas mais experimentais, esse tipo de tecnologia tornou mais viável transformar ideias ousadas em edifícios reais.
“A tecnologia permitiu impulsionar cada vez mais experimentações estéticas… Essa abordagem do modelo como entrega final foi absolutamente fundamental para viabilizar alguns dos projetos mais complexos dos últimos 25 anos”, afirma Samuel Omans, chefe de estratégia de IA da Autodesk, empresa responsável por ferramentas-padrão como AutoCAD e Revit.
ANALÓGICO E TECNOLÓGICO
Como arquiteto, Omans colaborou várias vezes com o escritório de Gehry e diz que essa ênfase tecnológica contrastava com o estilo analógico do próprio arquiteto.
“Ele sentava com você, rasgava papel, amassava pedaços, desenhava e rabiscava”, conta. Sem essa tecnologia, é difícil imaginar muitos dos projetos mais conhecidos de Gehry passando do estágio de maquetes feitas à mão.
Ainda assim, Gehry, nascido em 1929, manteve certa distância dos computadores que possibilitaram grande parte de seu sucesso criativo. "Não sei como ligar nem como usar", ele me disse em 2011. "Isso complica a minha vida."