Furacões, enchentes, incêndios: este é o preço que pagaremos pela fast fashion?
Na mesma semana em que um furacão devastou a Flórida, a varejista Shein registrava um enorme crescimento
Enquanto eu recebia mensagens de alerta avisando que minha mãe precisaria deixar sua casa na costa do Golfo do México por conta do furacão Milton e minha irmã, médica na Carolina do Norte, me contava que precisou cancelar cirurgias importantes devido à falta de insulina causada pela passagem do furacão Helene na semana anterior, outra notícia me chamou a atenção.
A Shein, uma das maiores empresas de fast fashion do mundo, registrou um crescimento de 38% em receita. Uma marca que até pouco tempo não era muito conhecida agora tem um impacto ambiental comparável ao de uma grande companhia aérea – e continua poluindo o planeta e agravando a crise climática.
Tudo isso na mesma semana em que alguns dos cientistas mais respeitados do mundo divulgaram o relatório de 2024 sobre o Estado do Clima, alertando: “estamos à beira de um desastre climático irreversível. Esta é, sem dúvida, uma emergência global. Grande parte da vida na Terra está ameaçada. Estamos entrando em uma nova fase crítica da crise climática, com consequências imprevisíveis."
O setor de vestuário já emite mais carbono do que o da aviação. E, de acordo com a Fundação Ellen MacArthur, está a caminho de consumir um quarto do orçamento global de carbono.
A coincidência de dois furacões devastadores poucos dias antes do anúncio de crescimento da Shein ressalta o impacto devastador da indústria da moda. Um vestido de US$ 5 não vale ventos de 240 km/h. Não vale a perda de vidas e empregos.
Mas a história nos mostra que não precisamos seguir esse caminho. Quando percebemos que o uso de aerossóis estava aumentando o buraco na camada de ozônio, a população se mobilizou para pressionar os governos a regulamentar essa questão.
Quando ficou claro que o cigarro causava câncer, legisladores tiveram coragem de agir – mesmo com a forte pressão da indústria do tabaco. Proibiram a publicidade, acabando com as campanhas com celebridades, tornando o ato de fumar menos glamouroso e reduzindo drasticamente seu consumo.
No caso da indústria da moda, o atual modelo, no qual algumas empresas tentam diminuir seu impacto por meio de iniciativas voluntárias, não está funcionando.
Hoje, todos os envolvidos na indústria – marcas, empresas de inovação, consultores, associações comerciais, iniciativas colaborativas, modelos, celebridades, advogados – precisam agir coletivamente para transformar o mercado por meio de legislações que acelerem a ação climática. Quer ser um líder no setor da moda? Isso é o que é necessário agora.
O estado de Nova York está prestes a votar um projeto de lei chamado Fashion Act, que faz exatamente isso. Ele exige que as empresas que queiram operar no estado reduzam suas emissões para cumprir as metas do Acordo de Paris – algo que muitas marcas de moda já se comprometeram voluntariamente a alcançar.
A maior parte das emissões de carbono do setor vem da cadeia de suprimentos, que é compartilhada por diversas empresas. Nenhuma marca pode arcar sozinha com os custos de descarbonizar seus fornecedores enquanto outras concorrentes se beneficiam disso.
O setor de vestuário já emite mais carbono do que o da aviação.
Com a lei em vigor, todas as grandes marcas seriam obrigadas a cumprir metas de redução, incentivando-as igualmente a fazer sua parte e assumir sua parcela de responsabilidade nas cadeias de produção.
Sem regulamentação, as empresas que fazem a coisa certa acabam ficando em desvantagem competitiva. Por isso, os poucos fornecedores que investiram milhões para descarbonizar suas operações não receberam nenhum centavo a mais das marcas por esses investimentos. A única maneira de resolver esse problema coletivo é estabelecer normas mínimas por meio de leis.
Felizmente, há uma série de empresas comprometidas, como Cotopaxi, Patagonia, Eileen Fisher, Stella McCartney, Ganni, Faherty, Everlane, Rothys, Studio189, Vestiaire Collective e ThredUp. Essas marcas, que apoiam o Fashion Act, representam o futuro da moda. Elas querem uma indústria que respeite os limites do planeta.
Enquanto isso, o lobby da principal associação comercial de vestuário e calçado dos EUA (AAFA) e de grandes marcas da moda, como Walmart e LVMH, está impedindo o avanço do projeto de lei. Por que essas organizações estão dispostas a destruir o planeta em nome do lucro?
Precisamos que a parte silenciosa da indústria – outras marcas, associações comerciais e iniciativas colaborativas como Gap, Ralph Lauren, Nike, Uniqlo e o Apparel Impact Institute – se juntem à discussão.
Ao focar apenas em, digamos, iniciativas circulares, essas empresas e consultores de sustentabilidade estão criando uma falsa sensação de progresso, atrasando as mudanças necessárias nos mercados e nas políticas que os regulam. Como disse a autora e ativista climática Genevieve Genther, “o tempo está se esgotando e, se não agirmos agora, será tarde demais”.
Um clima estável deveria ser muito mais importante do que moda descartável.