Muitos designers estão animados com a IA, só não sabem o que fazer com ela

Relatório anual da Figma sobre o estado da IA generativa para designers e desenvolvedores mostra como essa transição pode ser confusa

Crédito: JDawnInk/ Getty Images

Jesus Diaz 5 minutos de leitura

Inteligência artificial. Bem legal, não? Olha só esses vídeos maneiros. E aquelas milhares de iterações de design de produto só para fazer a criatividade pegar no tranco. Incrível. Ou será que não? Talvez. Quem sabe.

Essa parece ser a grande conclusão do Relatório de IA 2025 da Figma, baseado numa pesquisa com 2,5 mil designers e desenvolvedores.

Embora ferramentas como o ChatGPT e os recursos de IA da Figma já façam parte do dia a dia, o relatório revela um abismo desconfortável. O entusiasmo com o potencial da IA é alto, mas o impacto prático continua... meio capenga, emperrado por metas vagas, preocupações com qualidade e um balde de água fria nas expectativas.

O relatório destaca um paradoxo: os profissionais veem a IA como essencial para o futuro, mas ainda têm dificuldade de realmente tirar proveito dela no presente. O que, aliás, bate com a minha experiência. A inteligência artificial está lá, mas ainda não chegou lá.

Segundo o estudo da Figma, 76% dos projetos de IA têm como prioridade metas tão específicas quanto “experimentar com IA”; só 9% focam em coisas concretas como gerar receita. Dá vontade de chorar por todos os gigawatts evaporando em nome de uma revolução que, até agora, não chegou – pelo menos para designers e desenvolvedores.

Essa névoa toda reflete o estado ainda imaturo da tecnologia, diz Andrew Hogan, chefe de insights da Figma. “Tem muita brincadeira e experimentação acontecendo – é natural”, explica ele, comparando o momento atual com os primórdios dos aplicativos móveis, quando o pessoal iterava rápido antes mesmo de saber para quê.

Um dos entrevistados comparou criar produtos com IA a “comandar um restaurante onde o cardápio muda todo dia” – metáfora que Hogan classificou como “a grande frase da pesquisa”.

TANTAS CONTRADIÇÕES

Mudanças tecnológicas passadas, como a editoração eletrônica ou o iPhone, causaram terremotos em meses. Já o impacto da IA parece uma série de tremores fracos e esporádicos.

Sim, há casos brilhantes de impacto em setores como audiovisual. Mas ter um capacho sintético de pesquisa, um assistente de tarefas repetitivas ou um coleguinha criativo artificial não soa tão revolucionário quanto um bilhão de smartphones tomando conta das nossas vidas.

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Hogan reconhece essa tensão, mas faz um alerta: empresas que desistirem da IA cedo demais, por não verem resultados rápidos, correm o risco de perder vantagens estratégicas.

Ele também diz que, embora os dados revelem essa montanha-russa de expectativas versus realidade, há sinais reais de progresso: 34% dos usuários da Figma lançaram produtos com IA em 2025, contra 22% em 2024. A dúvida é se essas metas genéricas vão se transformar em ROI (retorno sobre o investimento) mensurável antes que venha o baque da decepção.

A pesquisa mostra ganhos de eficiência graças à IA. Mas, claro, aqui também há contradições. Cerca de 78% dizem que ela acelera o trabalho (contra 71% no ano passado), mas só 58% acham que melhora a qualidade e apenas 47% acreditam que a IA os torna melhores no que fazem.

os profissionais veem a IA como essencial para o futuro, mas têm dificuldade de tirar proveito dela no presente.

E os outros? Aqueles que acham que a qualidade continua igual ou até pior, e os 53% que não acham que a IA os torna melhores profissionais? É um contraste estranho, no mínimo curioso.

Desenvolvedores relatam mais satisfação (67% dizem que a IA melhora a qualidade do trabalho) do que designers (40%), em parte porque as ferramentas de geração de código têm utilidade mais clara. Já os designers ainda estão se debatendo com os resultados imprevisíveis da IA generativa.

Hogan atribui essa diferença às “limitações de como nós, humanos, interagimos com essas coisas”, e não à tecnologia em si. Ele cita a Lei de Amara: a gente superestima as mudanças no curto prazo e subestima no longo.

EXPECTATIVAS EM BAIXA

Apesar de 85% dos profissionais dizerem que a IA é essencial para o sucesso futuro, as expectativas de impacto no curto prazo estão esfriando. Só 27% acham que ela vai influenciar significativamente as metas da empresa no próximo ano, o mesmo percentual de 2024.

Hogan vê isso como um ajuste de expectativa, não uma decepção. “O hype corre na frente do que a maioria consegue fazer hoje”, diz ele, comparando a trajetória da IA com a adoção gradual da internet. A explosão de apps de IA – como o que aconteceu com os apps de iPhone – ainda está por vir.

Claro, já existem aplicações de nicho, como interpretadores de documentos médicos ou ferramentas de manutenção preditiva, mas... e os apps realmente transformadores? Além de conversar com oráculos glorificados da Wikipédia, onde está o Uber da IA?

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A resposta pode estar nos agentes de IA, a categoria de produto que mais cresce. Essas ferramentas, que automatizam tarefas com várias etapas, tiveram um crescimento de 143% em relação ao ano passado (de 21% em 2024 para 51% em 2025). Mas Hogan alerta: elas exigem repensar os princípios de design.

“Quando um agente deve consultar o usuário? Que informações ele deve compartilhar?” Nesse cenário, o design tem um papel crítico – 52% dos desenvolvedores dizem que o design é mais importante em produtos de IA do que nos tradicionais, já que é ele quem faz a ponte entre a capacidade e a usabilidade.

os designers ainda estão se debatendo com os resultados imprevisíveis da IA generativa.

O paradoxo da IA, onipresente e ainda assim subutilizada – e, para boa parte das pessoas, um tanto decepcionante –, vem da sua adolescência tecnológica. Designers e desenvolvedores estão presos em um triângulo amoroso entre empolgação, histeria coletiva e pragmatismo, tentando se orientar num terreno onde prototipar e iterar nunca foi tão crucial.

O potencial da tecnologia é real, sim. Geração de código já acelera o desenvolvimento e é usada por 59% dos devs. Agentes de IA prometem revoluções nos fluxos de trabalho, e sua adoção está em alta. Mas, sem metas mais claras, confiança nos resultados e um refinamento guiado pelo design, a IA corre o risco de virar uma caixa de ferramentas sem manual de instruções.

A questão não é se a IA vai remodelar o design, mas se as equipes vão conseguir evoluir seus processos rápido o suficiente para acompanhar essa promessa meio torta. Por enquanto, o futuro pertence a quem encara a IA não como varinha mágica, mas como barro: maleável, trabalhoso e ainda bem longe de virar escultura.


SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais