Joia rara: o arquivo completo da revista “The New Yorker”, digitalizado
O acervo inclui um artigo que descreve como seria o pouso na Lua antes de ele acontecer, uma análise dos primeiros anos da aviação e algumas das primeiras críticas de TV

Agora é possível ler todos os artigos já publicados pela revista norte-americana “The New Yorker” – desde fevereiro de 1925 – com apenas um clique.
Para celebrar o centenário da revista, a equipe editorial passou meses escaneando, digitalizando e organizando cuidadosamente cada edição já publicada. Ao todo, são mais de meio milhão de páginas. Todas estão disponíveis em ordem cronológica em uma seção criada especialmente para receber os exemplares digitais, mas o conteúdo também passou a integrar o sistema de busca do site, permitindo que os leitores cheguem a esses textos naturalmente enquanto navegam.
Em um momento em que o futuro do jornalismo de revista ainda parece incerto, revisitar esse material preservado com tanto cuidado ajuda a lembrar por que preservar o jornalismo impresso continua sendo tão importante.

DIGITALIZANDO UM ARQUIVO CENTENÁRIO
O trabalho de digitalização de todo o catálogo da “The New Yorker”, na verdade, começou em 2005. Naquele ano, como relata Nicholas Henriquez, diretor de infraestrutura editorial da revista, a Random House lançou o “The Complete New Yorker”, uma coleção acompanhada de DVDs – hoje já vistos como uma tecnologia retrô – com páginas escaneadas de todas as edições anteriores à era digital. Foi apenas no início de 2024 que a equipe de Henriquez começou a transformar esse material em texto totalmente digital.
O primeiro passo foi consultar a biblioteca da “The New Yorker”, onde o acervo físico é mantido, para escanear novamente centenas de páginas que precisavam de ajustes – seja porque estavam danificadas, porque a qualidade do escaneamento anterior era baixa ou porque os arquivos haviam se corrompido. “Algumas das edições mais antigas, dos primeiros cinco anos, estavam praticamente intactas”, conta Henriquez. “Em certos momentos, tive que usar um abridor de cartas para separar as páginas e conseguir escaneá-las.”
Depois de reunir todos os arquivos, a equipe deu início ao processo de adaptação do material para a web. Mas levar textos antigos para o ambiente digital não é uma tarefa simples. Cada artigo precisava de um título, uma descrição e uma imagem. As assinaturas, por sua vez, deram um trabalho à parte: muitos autores durante os primeiros anos da revista usavam pseudônimos, nomes inventados para uma única matéria ou simplesmente não assinavam.
“Muitas decisões técnicas só foram possíveis graças a esse entendimento profundo da história da revista."
“Parte do valor de ter uma equipe de tecnologia integrada à redação, como a “The New Yorker” tem, é, além de poder criar bancos de dados, aplicativos e sistemas, também ser capaz de olhar para um nome como ‘Ogden de Sade’ em um arquivo e saber: ok, isso é de Ogden Nash, é uma piada – precisamos encontrar um jeito de manter essa brincadeira online”, explica Henriquez. “Muitas decisões técnicas só foram possíveis graças a esse entendimento profundo da história da revista."
DESENTERRANDO UM TESOURO DO JORNALISMO DO COMEÇO DO SÉCULO
Durante o processo, Henriquez acabou encontrando textos que jamais imaginaria descobrir. Um deles foi uma breve resenha, sem assinatura, publicada em 1935, sobre as memórias de um sobrevivente de um campo de concentração nazista. “Precisei checar três vezes para ter certeza de que não havia nenhum erro, porque a matéria foi publicada em março de 1935, apenas dois anos depois de Hitler chegar ao poder”, conta. “Eu não fazia ideia de que nessa época já existia esse tipo de relato – muito menos que já estivessem sendo traduzidos e publicados nos Estados Unidos.”
Mas Henriquez também encontrou textos com temas mais leves, como um artigo de 1933 sobre uma visita ao aeroporto de Newark nos primeiros anos da aviação comercial, além de outro de 1947 que está entre as primeiras críticas de televisão já publicadas pelo “The New Yorker”. No meio disso tudo, ele acabou redescobrindo o que torna a escrita de revista tão especial.
“Em um jornal, a maioria das matérias usam a mesma construção: ‘tal coisa aconteceu’”, explica. “Já um artigo de revista tem mais liberdade: pode ser escrito em outro tempo verbal ou de outra forma – ‘tal coisa pode acontecer’, ‘tal coisa aconteceu com tal pessoa’.”
“Esse tipo de coisa é o que faz o jornalismo de revista ser tão importante – e único.”
É o caso de um texto de 1969, publicado meses antes do pouso na Lua, que descreve passo a passo como ele aconteceria; de um artigo anterior ao lançamento do Sputnik sobre cientistas norte-americanos tentando colocar o primeiro satélite em órbita; e de uma reportagem de 1961 sobre o início da dessegregação racial nos EUA, acompanhada pela autora Katharine T. Kinkead e por um grupo de estudantes universitários negros em uma viagem de carro por Durham, na Carolina do Norte.
“Esse tipo de coisa”, resume Henriquez, “é o que faz o jornalismo de revista ser tão importante – e único.”