Um livro muito especial: você só consegue ler quando está molhado

O "Livro Desidratante" é invisível quando seco. Basta derramar água sobre ele, e suas páginas ganham vida

Crédito: The Gas Company

Elissaveta M. Brandon 4 minutos de leitura

Nos últimos três meses, em uma pequena gráfica em Toronto, no Canadá, um grupo de pessoas trabalhou arduamente para tornar o impossível realidade: um livro que só pode ser lido quando se derrama água sobre ele. Um livro desidratante.

O "Livro Desidratante" é o primeiro do seu tipo. Foi impresso com uma tinta hidrocrômica especial, invisível a olho nu e que só se torna visível quando molhada. É 100% à prova d’água e vem embalado em um sachê cheio de água. Por quê? Para conscientizar as pessoas sobre a crise global da água.

O projeto é uma colaboração entre a Water for People (organização sem fins lucrativos que leva água potável e saneamento para comunidades carentes pelo mundo), pela empresa de comunicação Edelman e pelo estúdio de artes gráficas Gas Company.

A Water for People e a Edelman criaram o conceito. Após três meses de experimentação, a Gas Company o transformou em realidade, produzindo impressionantes 130 livros à prova d'água.

"Este livro precisa de água. Assim como milhões de crianças na América Latina." Essa é a frase de abertura no site da Water for People, e seu significado é literal.

De acordo com um estudo do Unicef de 2021, mais de 1,42 bilhão de pessoas (incluindo 450 milhões de crianças) não têm água suficiente para atender às suas necessidades diárias.

A mensagem do livro é clara: "água é vida".

Isso significa que uma em cada cinco crianças no mundo tem sua capacidade de concentração, aprendizado e desenvolvimento prejudicada por doenças e redução do desempenho cognitivo causados pela falta de água potável.

Ao criar o "Livro Desidratante", a equipe quis tornar a crise visível: quando a água desaparece, desaparecem também oportunidades como a educação.

"O 'Livro Desidratante' é um símbolo das realidades e obstáculos enfrentados pelas comunidades da América Latina", afirma Mark Duey, CEO da Water for People. "A região enfrenta uma crise hídrica que está impedindo o progresso das crianças."

A CRIAÇÃO DE UM LIVRO DESIDRATANTE

Doug Laxdal fundou a Gas Company em 1996. Desde então, construiu uma forte reputação por seus "projetos malucos", como ele mesmo descreve. Em 2022, sua equipe criou uma versão completamente à prova de fogo de "O Conto da Aia", de Margaret Atwood, para conscientizar sobre a queima e proibição de livros nos EUA.

Batizado como "The Unburnable Book", o livro foi leiloado na Sotheby’s por US$ 130 mil, com toda a arrecadação destinada à PEN America, organização sem fins lucrativos que luta pela liberdade de expressão e direitos humanos.

Laxdal lembra que, quando lhe pediram para criar um livro "indestrutível", ele soube exatamente o que fazer. Mas, desta vez, não tinha tanta certeza. "Um livro à prova d'água é como colocar metal no micro-ondas. Simplesmente não se faz isso", explica.

livro desidratante chama atenção para a crise hídrica
Crédito: The Gas Company

Se você pesquisar por "livros à prova d'água", encontrará algumas opções, como livros de plástico para bebês ou cadernos "para qualquer clima". O livro desidratante foi um desafio completamente novo. Ele precisava ser à prova d’água, a tinta não podia se dissolver na água e o texto só deveria aparecer quando molhado.

A primeira tarefa foi definir a capa. A ideia inicial era usar plástico, mas as quatro fabricantes com as quais Laxdal entrou em contato não se interessaram pelo projeto.

Ele acabou optando pelo acrílico branco, também conhecido como plexiglass, que geralmente tem acabamento brilhante, mas, neste caso, foi lixado até ficar fosco. A capa se fecha em torno das páginas como uma caixa de joias.

livro desidratante chama atenção para a crise hídrica
Crédito: The Gas Company

Depois, vieram as páginas. Foram testados vários materiais. Em alguns experimentos, os livros foram deixados em sachês com água por alguns dias, mas os resultados não eram bons: algumas tintas vazavam para a água, enquanto outras ficavam pegajosas, colando as páginas.

A versão final foi feita com um papel sintético chamado SuperYupo. As capas são de acrílico. O exterior é revestido com outra folha de SuperYupo, colada à capa com um adesivo à prova d’água da 3M. As páginas são costuradas com fio de poliéster comum.

A equipe de Laxdal imprimiu a primeira camada de texto usando uma impressora UV litho, que cura instantaneamente a tinta com luz ultravioleta. Ele compara o processo ao de esmaltes em gel curados com raios ultravioleta – mas, nesse caso, a máquina tem quase 30 metros de comprimento.

livro desidratante chama atenção para a crise hídrica
Crédito: The Gas Company

Com uma prensa de serigrafia foram aplicadas várias camadas de tinta hidrocrômica, ocultando o texto por baixo. Por fim, o livro foi colocado dentro de um sachê plástico e mergulhado em um aquário para que a água entrasse antes que ele fosse selado.

Em uma demonstração ao vivo, a designer gráfica Layla Laxdal despejou um copo d’água sobre um livro aberto e, no mesmo instante, um beija-flor colorido apareceu na página.

A história que o livro conta – escrita em conjunto com estudantes de Palmira, uma vila no Vale de Cascas, no Peru – acompanha um grupo de animais liderado por um beija-flor sedento que viaja pelo país em busca de água.

A mensagem do livro é clara: "água é vida". Esse lema é parte da realidade da comunidade e serve como um lembrete poderoso para os leitores de que, sem água, as crianças não podem crescer saudáveis.

Ao final da entrevista com Laxdal, cerca de 40 minutos depois da demonstração, a imagem que surgiu com a água começou a desaparecer, exceto por um ponto no centro onde a água havia se acumulado. Esse ponto ainda continuava brilhante.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais