Nike muda seu famoso slogan e desafia a cultura do “cringe”

Com “Why Do It?”, marca resgata o espírito do “Just Do It” para uma geração que teme o fracasso

A skatista Rayssa Leal em campanha da Nike
Rayssa Leal em campanha da Nike (Créditos: Nike/ Freepik)

Jeff Beer 4 minutos de leitura

Desde 1988, quando Walt Stack atravessou correndo a ponte Golden Gate, em São Francisco, no primeiro comercial da Nike, o lema “Just Do It” se tornou não apenas um slogan, mas a filosofia que ajudou a marca a se consolidar como um ícone global.

Quase 40 anos depois, a Nike quer lembrar a uma nova geração o que essas três palavras realmente significam. Sua mais recente campanha se chama “Why Do It?” (“Por que fazer?”), e mira diretamente na cultura do cringe, que frequentemente retrata o esforço genuíno como algo cafona ou fora de moda.

"Essas três palavras significam muito para nós, mas não podemos nos colocar acima de tudo como se fossem sagradas", afirma Nicole Graham, diretora de marketing global da Nike. "Precisamos garantir que elas ressoem com cada geração."

Narrada pelo rapper Tyler, the Creator, a peça central da campanha traz nomes de peso: LeBron James, Caitlin Clark, Saquon Barkley (do Philadelphia Eagles), Vini Jr. (do Real Madrid e da seleção brasileira), a skatista Rayssa Leal, entre outros.

Enquanto os atletas treinam, erram, tentam e se superam, a voz em off pergunta: “por que fazer? Por que se complicar? Por que arriscar? Por que se expor? Com tanto em jogo, com tantas chances de falhar... Por que se arriscar? Por que ousar? Sério, por quê?! Você pode dar tudo de si e ainda perder. Mas, e se não perder?”

Essa pergunta é tão válida para a campanha quanto para a própria Nike, que enfrenta quedas recentes de vendas e a concorrência crescente de marcas como On e Adidas, especialmente entre adolescentes.

A DISPUTA CONTRA O CRINGE

O cringe (termo usado pelos jovens para rotular algo como constrangedor, forçado ou “cafona”) se tornou quase uma marca geracional da GenZ, amplificada pelas redes sociais e pela cultura dos memes. Para Graham, aí está a oportunidade de dar novo fôlego às palavras mais famosas da Nike.

"O medo de fracassar e de tentar, expressões como 'não seja um esforçado' ou 'isso é muito cringe', são usadas contra quem demonstra paixão por algo. Por isso, quisemos atualizar o sentido de 'Just Do It', mostrando que esforço e autenticidade nunca foram cafonas", explica a executiva.

O objetivo é virar o jogo e mostrar que tentar, arriscar, se dedicar – mesmo sem garantia de vitória – é exatamente o que define a grandeza.

"Nunca se tratou apenas de troféus ou conquistas. Sempre foi sobre celebrar quem tem coragem de fazer", reforça Graham. "Pode ser dar o primeiro passo, calçar o tênis pela primeira vez ou tentar entrar no time. Era hora de lembrar as pessoas disso."

REESTRUTURAÇÃO EM ANDAMENTO

A campanha surge em meio à tentativa da Nike de se reposicionar após uma fase turbulenta. Em 2021, a aposta no modelo direto ao consumidor trouxe perdas significativas. Nos últimos dois anos, a empresa vem redesenhando sua estratégia.

Nicole Graham assumiu como CMO no fim de 2023 e Elliott Hill foi nomeado CEO em setembro de 2024. No quarto trimestre fiscal de 2024, as vendas caíram 12%, para US$ 11,1 bilhões, em comparação aos US$ 12,61 bilhões do mesmo período no ano anterior.

A empresa já avisou que 2025 será um “ano de transição”, embora as ações tenham subido cerca de 2% no acumulado do ano.

Parte da nova estratégia inclui abandonar a segmentação apenas por gênero (homens, mulheres, crianças) e voltar a se organizar por esportes. O time de corrida foi o primeiro, seguido por futebol, basquete e críquete. Em agosto, a Nike anunciou a demissão de 1% da equipe corporativa para ajustar a estrutura.

"Conseguimos transformar uma gigante global em algo que parece próximo, quase íntimo', diz Graham. "Estou otimista: já vejo o quanto esse reposicionamento pode gerar resultados."

A corredora Tara Davis-Woodhall em campanha da Nike
Tara Davis-Woodhall (Crédito: Nike)

Essa abordagem esportiva se traduz em três frentes: presença em eventos ao vivo, conexão com momentos culturais relevantes para as torcidas e proximidade com comunidades locais. "A Nike precisa estar no palco global, mas também na esquina do bairro", resume Graham.

A campanha “Why Do It?” também busca equilibrar a celebração das estrelas do esporte com a valorização dos atletas anônimos, que correm, treinam e se esforçam longe dos holofotes. Afinal, Walt Stack não era famoso quando estrelou o primeiro comercial com o slogan “Just Do It”.

Alguns dos trabalhos mais memoráveis da marca foram justamente aqueles que destacaram pessoas comuns. Um exemplo é o comercial "Jogger" (de 2012), narrado por Jude Law: um garoto correndo sozinho em uma estrada deserta, sem trilha sonora épica ou imagens chamativas – apenas passos e uma narrativa inspiradora.

"Precisamos transformar nossos maiores atletas em figuras acessíveis, mas também transformar pessoas acessíveis em heróis" diz Graham. "Esse equilíbrio sempre foi a essência da Nike."


SOBRE O AUTOR

Jeff Beer cobre publicidade, marketing e criatividade para a Fast Company. saiba mais