O legado de Blade Runner que você vê todo dia sem perceber

Do Tesla ao Jaguar, tipografia inspirada na ficção científica domina a identidade visual dos carros elétricos — e tem tudo a ver com um clássico de 1982.

O legado de Blade Runner que você vê todo dia sem perceber
Créditos: FC

Grace Snelling 3 minutos de leitura

Talvez você já tenha reparado, dirigindo pela estrada: logotipos cromados, fontes sem serifa elegantes. É difícil diferenciar uma marca de carro elétrico da outra.

Há um motivo para que nomes como Tesla, Rivian, BYD, Neta, Jaguar e Zeekr pareçam fazer parte de um mesmo “mar de semelhança” — e ele se resume a uma influência específica: muitas das máquinas mais avançadas de hoje carregam um visual moldado por uma visão de futuro criada décadas atrás.

Grande parte das marcas de veículos elétricos adota fontes com cortes, barras ou trechos inteiros ausentes. Esse estilo tipográfico é conhecido como stenciling e, se ele parece automaticamente futurista, é porque seu uso mais frequente é na ficção científica.

“É um atalho visual para o futuro”, explica Stephen Coles, diretor editorial e curador associado do Letterform Archive, em San Francisco, e autor do blog Chromeography, sobre a história do design de marcas automotivas.

O QUE TESLA TEM EM COMUM COM BLADE RUNNER

O clássico Blade Runner, de 1982, imaginou um 2019 distópico, ameaçado por humanoides inteligentes. A previsão errou em muitos aspectos sobre o mundo atual, mas acertou em cheio no que diz respeito à estética que hoje marca o branding dos EVs.

O pôster original do filme traz o título em uma fonte stencil, com fendas que fazem as letras parecerem recortadas — um recurso que remonta à pré-história e que, ao longo do tempo, ganhou usos militares, de transporte e em cartazes. No fim do século 20, virou marca registrada da ficção científica.

“Se você olha para a tipografia desses filmes, [o stenciling] é algo que aparece repetidas vezes”

Dave Addey, engenheiro da Apple e autor de Typeset in the Future: Typography and Design in Science Fiction Movies, aponta que o stenciling aparece constantemente nas telas: no logotipo da Tyrell Corporation em Blade Runner, na abertura de Alien (1979) e até no uniforme do Capitão Dallas. Em De Volta para o Futuro II (1989), surge no logo fictício do USA Today e na marca de um posto de gasolina Texaco.

“Se você olha para a tipografia desses filmes, [o stenciling] é algo que aparece repetidas vezes”, diz Coles. Não à toa, em um post de blog chamado “Como deixar seu texto com cara de futurista”, Addey resume na “Regra 5”: “Remova um segmento totalmente arbitrário do texto.”

Entre as montadoras de elétricos, a Regra 5 virou praticamente lei. Tesla foi uma das primeiras a adotar o estilo, seguida de marcas chinesas como BYD e Neta. A Jaguar incorporou discretamente o recurso, enquanto a croata Rimac levou ao extremo, apagando grandes trechos de cada letra. “Parece que poderia estar na lateral de uma nave espacial em um filme de ficção científica”, diz Addey.

O “BLANDING” DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA

O estilo não surpreende Terrance Weinzierl, diretor criativo de tipografia da Monotype. Ele vê na conexão com a ficção científica uma prova de que “a indústria automotiva é altamente imitadora”.

Em novembro de 2024, a Jaguar anunciou que deixaria de produzir carros a combustão para se tornar uma marca 100% elétrica. Para marcar a virada, substituiu o icônico felino saltando por um logotipo fino, sem serifa. Um mês depois, a Audi lançou sua linha de elétricos na China e seguiu a mesma fórmula.

“A tendência geral no design de logotipos há uns 15 anos era torná-los mais geométricos — a blandificação”, diz Coles. “As montadoras parecem estar uns 10 anos atrasadas em relação a isso. [O stenciling] é quase uma segunda fase desse movimento.”

Marcas tradicionais como Kia, Chevrolet, Porsche, Lexus, Mazda e Hyundai já trocaram scripts ornamentados por wordmarks achatados e minimalistas. Tal como no blanding dos anos 2010, se uma marca de sucesso — como a Tesla — define um tom tipográfico, as outras seguem. Coles acredita que também há um apelo nostálgico para compradores influenciados pela estética retrô-futurista dos anos 1970 a 1990.

Há exceções: a Scout Motors resgata scripts clássicos, e a Bugatti fez algo semelhante em seu modelo Tourbillon. Para Weinzierl, é provável que, conforme o setor amadureça, haja mais experimentação e diferenciação visual.

“O que eu gosto na indústria de EVs é que há tanta inovação que ela me lembra os smartphones em 2008 ou 2010 — a cada ano, os produtos mudavam radicalmente e a competição era intensa. Vejo o setor florescente de veículos elétricos como um reflexo disso”, diz Weinzierl.


SOBRE A AUTORA

Grace Snelling é colaboradora da Fast Company e escreve sobre design de produto, branding, publicidade e temas relacionados à geração Z. saiba mais