Por dentro do trabalho de 2 mil especialistas para restaurar Notre Dame

Cinco anos, 2,5 mil árvores e US$ 740 milhões depois, a catedral parisiense reabre com suas partes de madeira totalmente restauradas

Crédito: Javier Paredes Perez/ Getty Images

Patrick Sisson 5 minutos de leitura

Anos antes de a Catedral de Notre Dame, em Paris, ser danificada por um grande incêndio, um punhado de entusiastas da arquitetura já havia preparado o terreno para sua eventual reconstrução.

Em 2012, quando era estudante de arquitetura, Rémi Fromont recriou a charpente (a estrutura do telhado) do prédio em um bloco de desenho para uma aula, anotando cada viga enquanto usava uma lanterna e um farolete.

Há uma razão para essa parte da catedral ser apelidada de "a floresta". Essa superestrutura foi construída com mais de mil vigas, muitas provenientes de árvores que começaram a crescer centenas de anos antes de a igreja ser concluída pela primeira vez, em 1260.

Os documentos criados por Fromont, que mais tarde se tornaria o arquiteto responsável pela restauração da charpente, foram convertidos para CAD. Em 2015, o professor de arte e especialista em arquitetura medieval, Andrew Tallon fez uma completa varredura a laser da catedral, criando um documento digital de um bilhão de pontos.

Ambos os projetos deram à restauração sem precedentes após o incêndio de 2019 um mapa para se guiar. Isso permitiu que os restauradores mantivessem a fidelidade às técnicas clássicas, bem como aos séculos (um tanto caóticos) de reformas, restaurações e envelhecimento que moldaram o ícone gótico ao longo dos anos.

Notre Dame reabriu no sábado (7 de dezembro), após uma restauração que custou aproximadamente US$ 740 milhões e envolveu cerca de dois mil arquitetos, historiadores e profissionais especializados. O trabalho de restauração foi uma habilidosa união entre o artesanato secular e a tecnologia de ponta.

Crédito: Eric Bouvet/ Gamma-Rapho/ Getty Images

Quase tudo que diz respeito a esse projeto remete ao trabalho laborioso, detalhado e delicado realizado pelos artesãos originais por trás desta estrutura histórica. E sua recriação não poderia ter sido feita com tamanha precisão e requinte de detalhes sem as modernas tecnologias de escaneamento, imagem e gráficos.

A RECONSTRUÇÃO DE UM ÍCONE DA ARQUITETURA

O primeiro desafio foi impedir que a estrutura se deteriorasse ainda mais. Um esforço massivo de estabilização começou imediatamente após o incêndio. Por meses, uma equipe especial, da qual participaram até guias de montanha, foi baixada sobre os andaimes queimados e dobrados, cortando e removendo lentamente o metal.

Depois, uma série de arcos de madeira de larício sob medida foi instalada para suportar os arcos da parte de fora da parede exterior que dão suporte. Uma enorme estrutura de andaimes, comparada a uma cidade dentro de uma cidade, foi construída dentro da catedral para permitir que artesãos e trabalhadores alcançassem cada centímetro quadrado do teto.

Embora a remoção da contaminação por chumbo tenha se mostrado desafiadora, isso abriu uma oportunidade para limpar a catedral. Os trabalhadores da restauração descobriram que uma solução de látex ajudava a remover as partículas de chumbo, mas também removia séculos de sujeira, fuligem e cera de vela.

O resultado da aplicação de toneladas desta pasta de látex, junto com diferentes produtos químicos para limpar a pintura, resultou em paredes brilhantes, quase da cor creme, e um interior ousado colorido de azul, amarelo, vermelho e marrom.

Alguns dos trabalhos mais meticulosos envolveram a estrutura do telhado e a torre, que foram reconstruídos nas dimensões exatas dos originais, com todas as suas "esquisitices", por algumas empresas francesas de carpintaria.

Parte desse trabalho artesanal foi realizada por membros dos Charpentiers sans Frontières (Carpinteiros Sem Fronteiras), uma organização sem fins lucrativos de carpinteiros experientes e obcecados por técnicas históricas.

Crédito: Goosewing Timberworks

Will Gusakov, cuja empresa, Goosewing Timberworks, é especializada em técnicas tradicionais, participou do grupo. Junto com cerca de 20 outros, ele trabalhou no Ateliers Desmonts, uma oficina na Normandia encarregada de reconstruir a estrutura do telhado da Notre Dame. Depois de pronta ela foi desmontada, transportada para Paris e reconstruída no local.

Crédito: Goosewing Timberworks

O esforço foi imenso. Administradores florestais de todo o país procuraram mais de 1,4 mil carvalhos, tanto retos quanto sem nós, que foram identificados com códigos de barras e enviados para a oficina na Normandia apenas para o telhado – no total, 2,5 mil árvores foram usadas no projeto.

Crédito: Thomas Coex/ AFP/ Getty Images

Gusakov e seus companheiros recriaram a experiência da carpintaria medieval – usando machados personalizados e forjados à mão, estampados com a imagem da catedral –, esculpindo a madeira manualmente.

Crédito: Goosewing Timberworks

Muitas vezes eles faziam maquetes para apresentar aos arquitetos do projeto, esperando que, ao recriar as técnicas originais para resolver desafios técnicos, pudessem permanecer fiéis à "alma e espírito" do original.

A carpintaria foi apenas um dos inúmeros exemplos de especialistas dedicados a complexos e demorados trabalhos de restauração. Membros de outra organização, os Compagnons du Devoir (Companheiros do Dever), utilizaram técnicas antigas de metalurgia e forja. Estátuas de cobre foram tratadas por uma equipe de “patinadores” para combinar os tons encontrados na fotografia do século 19.

Um habilidoso fabricante de órgãos da Bélgica confeccionou um pequeno órgão de substituição. Especialistas levaram um ano para restaurar as pinturas e murais, usando seringas cheias de cola para recolocar fragmentos de tinta. Os sinos da catedral, que tocaram pela primeira vez em anos há algumas semanas, foram removidos para serem limpos.

Crédito: Ludovic Marin/ AFP/ Getty Images

O trabalho desses especialistas está todo registrado em um pergaminho armazenado em um tubo de chumbo dentro de um galo dourado no topo do cata-vento da torre – uma cápsula do tempo, junto com registros digitais, para futuras equipes de restauração consultarem.

“Este trabalho está mantendo vivos não apenas os objetos de um museu, mas o patrimônio cultural das habilidades e técnicas das pessoas que foram capazes de criá-los”, diz Gusakov.


SOBRE O AUTOR

Patrick Sisson é colaborador da Fast Company e cobre o setor de desenvolvimento urbano e mercado imobiliário para o ranking anual Most... saiba mais