Por que a Nike nunca deveria ter desistido do seu investimento em NFTs

Após adquirir a marca virtual de tênis RTFKT em 2021, a Nike agora está encerrando uma de suas inovações mais promissoras

Créditos: Nike/ RTFKT

Grant McCracken e Marcus Collins 4 minutos de leitura

Quanta diferença apenas um ano pode fazer! Depois de registrar US$ 185,3 milhões em receita com vendas de NFTs em 2023, após três anos de operação, a Nike está descontinuando sua marca de tênis virtual, a RTFKT (pronuncia-se “artifact”).

O que antes era visto como um passo em direção ao futuro para a gigante dos tênis em breve se tornará um capítulo de seu passado – e um caso que serve de advertência para marcas que aspiram a inovar.

A web3 desacelerou e a aquisição do negócio de moda digital pela Nike, em dezembro de 2021, aconteceu em um momento em que tokens não fungíveis, realidade aumentada e realidade virtual eram as apostas mais prováveis de ser a próxima grande novidade. O ChatGPT só fez sua estreia quase um ano depois. Até então, a inteligência artificial não era tão presente ou conhecida como hoje.

Além disso, a posição financeira da Nike estava muito mais forte naquela época, assim como o agora ex-CEO da empresa, John Donahoe, que supervisionou a aquisição e mais tarde deixou o cargo devido ao desempenho ruim das vendas (ironicamente, atribuído à falta de inovação).

Esse é o ponto que tem deixado muitos de nós tão surpresos. A RTFKT foi uma conquista técnica impressionante. Mas, mais do que isso, foi uma visão do futuro para a Nike e, possivelmente, para o branding na categoria de moda, de forma mais ampla.

As manchetes trouxeram um argumento racional para explicar por que a Nike decidiu abandonar a RTFKT. As embaraçosas perdas recentes, a erosão do controle sobre os canais de vendas e a dependência excessiva da venda direta ao consumidor sopraram ventos de virada na sede da empresa. Agora, ela está limpando a casa e matando uma inovação promissora.

Crédito: Nike/ RTFKT

A história da Nike não é única. Toda corporação faz isso em momentos de frustração. Alguns trimestres decepcionantes e os líderes tendem a desistir do que parece não estar “funcionando”– hoje. Mas as forças de curto prazo das métricas de desempenho de hoje muitas vezes minam os sucessos de amanhã.

Essa é a realidade complicada da inovação de marca: ela opera em um cronograma diferente do das operações de negócios. Inovações de marca exigem um horizonte de tempo a longo prazo e as pressões por resultados de curto prazo restringem o investimento no tempo necessário para incubar novas ideias.

Crédito: Nike/ RTFKT

Como no caso do fim da RTFKT, esse fenômeno é mais do que simplesmente arrumar a casa; é um grande erro estratégico. E vamos explicar o porquê.

Imagine que você está sentado no metrô. Alguém se senta ao seu lado. Você nota que a pessoa está usando um par de tênis com aparência futurista.

Hmm. Interessante. Mas, em um mundo obcecado pela cultura dos tênis, isso não é nada excepcional. Aí você olha de novo. A marca do tênis está se mexendo. As nuvens atrás do swoosh (o logotipo da Nike) estão se mexendo. A pessoa ao seu lado está usando sapatos que trazem notícias. De repente, a arte do “branding possível” se expandiu.

Crédito: Nike/ RTFKT

Lá, do outro lado, você vê alguém escrevendo a todo vapor. Mas, neste caso, seus óculos de realidade aumentada e o moletom Nike-RTFKT dele permitem enxergar sua criatividade febril em primeira mão, conforme ela é projetada no exterior da jaqueta do poeta. Lá está ele, escrevendo, marcando, jogando na tela, marcando. E, pela primeira vez, você lá, assistindo a cultura acontecer.

A QUESTÃO DO BRANDING

Mas o que tudo isso significa para o branding? Existe uma verdade inquestionável: as marcas importam em proporção exata ao conteúdo que elas contribuem para a cultura. A RTFKT nos deu uma nova possibilidade para o branding e o marketing, na qual as marcas deixam de apenas falar e tomar, e começam a dar.

Essa tecnologia cria um novo meio para a mensagem da marca. Ela dá aos criadores de conteúdo uma nova maneira de tornar seu trabalho público. E dá aos profissionais de marketing uma nova oportunidade de expressar sua criatividade.

Agora podemos fazer tênis, moletons, vestidos e cidades inteiras expressarem significados. A diferença para o branding é grande. Muitas vezes, antes da RTFKT, a marca estava desesperada por atenção. Agora, ela poderia se tornar a maestra do momento cultural.

Mas ela parece estar recusando essa oportunidade. Ignorando a chance de fazer da marcas uma fonte vital de produção cultural, porque isso não acontece na velocidade de Wall Street. Se continuarmos fazendo somente o branding a toque de caixa, a imagem que os jovens terão de nós no futuro não será boa. 

Talvez o maior problema para a Nike – como para grande parte das corporações – não seja a falta de inovação, mas sim a falta de paciência e de curiosidade.


SOBRE O AUTOR

Grant McCracken é antropólogo e escritor, fundador e diretor do Instituto de Cultura Contemporânea do Museu Real de Ontario. Marcus Co... saiba mais