Recriado o esconderijo de uma das mais famosas vítimas do nazismo: Anne Frank
Cenógrafos holandeses passaram meses analisando os diários de Anne Frank e buscando móveis antigos da Holanda para esta exposição em Nova York

O diário de Anne Frank está em cima de uma mesa. Objetos pessoais estão espalhados na prateleira acima dele – alguns lápis, fotos em preto e branco e um par de tesouras de metal. Cartões postais e fotos de celebridades dos anos 1920, como Greta Garbo e Norma Shearer, estão colados no papel de parede amarelado atrás da mesa. Este é o esconderijo de Anne Frank.
A impressão é a de que Anne acabou de sair da sala, onde estava escolhendo fotos para colocar na parede. Mas, na verdade, nada aconteceu ali. Porque "ali" é uma sala, em um museu, em Nova York. E essa sala não é o anexo secreto onde Anne passou dois anos se escondendo – mas é uma réplica minuciosa.
Inaugurada no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto (27 de janeiro), a mostra Anne Frank – A Exposição foi criada pela Casa de Anne Frank dentro do Centro de História Judaica.
A mostra oferece a primeira oportunidade, fora de Amsterdã, para os visitantes verem como Anne, sua família e mais quatro pessoas judias viveram em um espaço de 74 metros quadrados, se escondendo dos nazistas.
Quem já visitou o museu Casa de Anne Frank, na capital holandesa, sabe que o anexo original está estranhamente vazio. Isso foi feito de propósito. Depois que a família foi presa, o apartamento foi saqueado pelos nazistas e deixado vazio.
O pai de Anne, Otto, único sobrevivente entre as pessoas que viviam lá, queria que o espaço permanecesse assim, para simbolizar o vazio que ele sentiu ao retornar do campo de concentração de Auschwitz.
O anexo em Nova York retrata Anne menos como uma vítima e mais como uma garota que gostava de colecionar cartões postais e sonhava em se tornar jornalista. Uma garota cuja vida foi interrompida pelo Holocausto.
O ESCONDERIJO DE ANNE FRANK - DE AMSTERDÃ PARA NOVA YORK
A família Frank tinha laços com Nova York e, por isso, a Casa de Anne Frank escolheu a cidade como o primeiro local para a exposição. Otto trabalhou como estagiário na loja de departamentos Macy’s e tentou emigrar para os EUA antes de se esconder.
Ronald Leopold, diretor executivo da Casa de Anne Frank, diz que não está descartada a possibilidade de uma exposição itinerante, por isso os cenógrafos montaram a exposição como em "kits de partes", que podem ser montados e desmontados "como um conjunto de Lego”, explica Tom Brink, chefe de coleções e da Casa de Anne Frank em Amsterdã e curador da exposição.
Os cenógrafos passaram meses construindo o anexo na Holanda e depois enviaram tudo por um enorme contêiner de transporte até o outro lado do Atlântico. Quando o conjunto finalmente chegou a Nova York, a equipe passou três semanas montando e decorando a sala com diversos artefatos e móveis.
O esconderijo de Anne Frank recriado parece artificial e autêntico ao mesmo tempo – é quase como uma casa de bonecas em tamanho real, onde oito pessoas brincaram de casinha por dois anos até que o horror do mundo real as alcançou.
Mas os visitantes que conseguirem superar essa dissonância serão recompensados com uma história tocante, que se tornou ainda mais rica pela recriação minuciosa dos designers, que inclui um papel de parede descascado e marcas de lápis que indicam a altura de Anne e de sua irmã Margot.

“Tentamos ao máximo coletar objetos antigos reais, e não réplicas”, diz a cenógrafa Annemiek Swinkels. Mas o que mais importava não era comprar a cadeira exata ou acertar o canto onde Otto teria deixado seus óculos. O que importava era contar a história de Anne da forma mais verdadeira possível.
Na cozinha, os visitantes vão notar dois objetos. Um é um jogo de tabuleiro sobre o mercado de ações. O outro é uma meia parcialmente remendada, presa com fita de costura.
O jogo de tabuleiro é o mesmo que Anne e Peter van Pels (o namorado dela e uma das sete pessoas escondidas) jogavam enquanto estavam no anexo. A meia é imaginária. Mas ambos os objetos pintam o retrato de uma família tentando levar uma vida normal – em circunstâncias terrivelmente anormais.
PASSADO E PRESENTE SE CHOCAM
A exposição foca no passado, mas também trata do presente. “Essa história nos diz algo sobre quem somos, sobre quem podemos ser e quem queremos ser como seres humanos”, reflete Leopold.
De fato, a mostra foi aberta ao público poucos dias depois que o bilionário Elon Musk, celebrando a posse de Donald Trump como 47º presidente dos Estados Unidos, fez um gesto com o braço que muitos interpretaram como uma saudação nazista.

Ela acontece em um momento no qual o extremismo de direita está crescendo em todo o mundo. Em um momento no qual o antissemitismo está disparando, ao lado de crimes de ódio contra muçulmanos, asiáticos e contra a comunidade LGBTQ+ – que recentemente se viu ainda mais afetada pela ordem executiva de Trump dizendo que existem “apenas dois gêneros”.
A exposição é um lembrete para lutarmos contra a discriminação e o preconceito, seja em Israel ou Gaza, no Sudão ou na Ucrânia, nos EUA ou no México. É "um farol da memória", diz Leopold. Ilumina o passado. Mas também o presente.