Tecnologia e dança se unem para trazer a ancestral arte da caligrafia ao palco

Um coreógrafo e um artista audiovisual trazem à vida o trabalho da famosa calígrafa Tong Yang-Tze. No palco

Crédito: Summer Yen/ Ink

Elissaveta M. Brandon 3 minutos de leitura

Se você fosse desenhar uma linha do tempo da civilização humana, provavelmente colocaria a caligrafia no início e os robôs no final. Mas, no início deste mês, esses dois extremos convergiram no mesmo palco.

Uma performance fascinante aconteceu no Lincoln Center, em Nova York, e no Bass Concert Hall, em Austin (Texas). Intitulado Ink, o show reuniu 11 bailarinos – 13, se você contar os dois robôs no palco – para uma apresentação multimídia na qual os dançarinos balançavam os braços, lançavam as pernas e dobravam os corpos para imitar as pinceladas da renomada calígrafa taiwanesa Tong Yang-Tze.

Enquanto os dançarinos se apresentavam no palco, uma série de traços de pincel holográficos aparecia na frente deles, como um dueto mudo entre corpo e tecnologia.

Tong é famosa por suas colaborações interdisciplinares com arquitetos, estilistas e até músicos. Seus traços podem ser encontrados em estações de trem em Taipei, em livrarias e até no carimbo do seu passaporte quando você chega a Taiwan.

Para Ink, ela colaborou com o coreógrafo taiwanês Huang Yi, conhecido por trabalhar com robôs, e com o artista audiovisual japonês Ryoichi Kurokawa. Mas fez questão de se distanciar do processo e se recusou a ver o show até a estreia. “Ela nos deu muita liberdade e espaço para mostrar nosso trabalho”, diz Huang.

Ink está em desenvolvimento há cerca de três anos, mas a ideia por trás do espetáculo já existia há muito tempo. Huang diz que Tong o procurou pela primeira vez há 10 anos, depois de ver outro de seus shows, o Under the Horizon.

Ela perguntou se ele consideraria dar vida à sua caligrafia, mas o coreógrafo não se sentiu à altura. “Era muito jovem, então pedi que ela esperasse um pouco até que eu estivesse preparado”, diz ele. Só em 2020 Huang começou de fato.

A equipe decidiu focar no trabalho abstrato de Tong e se propôs a digitalizar todas as suas obras. Eles desmembraram cada traço em pixels digitais, que foram projetados de três ângulos diferentes e em três superfícies diferentes: uma tela no fundo do palco, uma tela translúcida na frente do palco e o próprio chão do palco.

Essa abordagem resultou em um espetáculo holográfico onde, além das linhas projetadas no chão e em uma tela atrás do palco, pinceladas aparentemente tridimensionais também pareciam flutuar no ar entre os dançarinos e o público.

Às vezes, as linhas se dispersavam, distorciam ou desapareciam ao ritmo da trilha sonora eletrizante da apresentação. E às vezes parecia que eram os dançarinos que as estavam desenhando apenas com o movimento de seus corpos. Na verdade, o show é todo pré-programado e o que parece uma interação em tempo real é apenas sincronização.

Huang consultou Tong uma vez, principalmente para pedir que ela desenhasse algumas linhas retas especificamente para o show. Uma dessas linhas se tornou uma característica chave durante a dança com dois robôs da empresa de robótica Kuka. O coreógrafo programou ambos e deu a cada um deles um longo bastão, inspirado em uma prática de arte marcial.

Ele então subiu ao palco e dançou com as máquinas, lentamente, suavemente, até abrir os braços e alinhá-los com os bastões horizontais dos dois robôs. Enquanto a linha horizontal de Tong aparecia na tela atrás dele, Huang e os robôs formaram sua própria linha reta.

Crédito: Summer Yen/ Ink

Pode parecer estranho para uma apresentação de dança incluir robôs, mas, ao trazer tecnologia de ponta para um ofício antigo, Huang diz que queria fazer a ponte entre o passado e o presente. A esperança final, diz ele, é que o show mude a percepção das pessoas sobre a caligrafia, de uma forma de arte tradicional que pode parecer enfadonha ou chata, para algo que transcende o tempo – e talvez até a página.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais