Você vive encurtando palavras? Seus amigos e parceiros podem não gostar

A presença dessas abreviações nas conversas faz com que os outros sintam que você está fazendo pouco caso

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David Fang 4 minutos de leitura

As mensagens do meu irmão mais novo parecem fragmentos de uma linguagem em código: “td bem?”, “faz?”, “vlw ”– tudo cortado, enigmático e soando um pouco blasé. Ele adora usar abreviações.

Isso sempre me incomodou, então resolvi investigar a fundo esse fenômeno e fazer uma série de pesquisas para entender se essas mensagens super abreviadas atrapalham uma conversa de verdade, explorando os sinais não-ditos por trás da linguagem encurtada.

Conforme eu e meus colegas íamos coletando dados, fazendo pesquisas com pessoas e organizando experimentos, foi ficando claro que essas abreviações que cortam a palavra quase inteira – e que, às vezes, são vistas como um símbolo de comunicação eficiente – na verdade acabam enfraquecendo os relacionamentos, em vez de facilitar a comunicação.

Em uma pesquisa que conduzimos com 150 norte-americanos entre 18 e 65 anos, 90,1% disseram que usam abreviações com frequência nas mensagens do dia a dia, e 84,2% achavam que essas abreviações tinham efeito positivo ou, no mínimo, neutro sobre como a mensagem era percebida por quem a recebia.

Mas nossos dados mostraram que só o fato de alguém usar abreviações, mesmo que isso pareça algo inofensivo, já faz o interlocutor  se sentir como se estivesse recebendo algo "meia-boca".

Em outras palavras: quando alguém corta palavras "até o osso", a outra pessoa sente que não houve esforço para se comunicar, o que faz com que ela se desconecte. É algo sutil, mas super comum. A maioria das pessoas nem percebe.

Começamos com testes em laboratório, controlados, nos quais 1.170 participantes viam dois tipos de troca de mensagens quase idênticas: um com abreviações e outro com as palavras completas. Em todos os casos, as pessoas acharam que a pessoa que decidiu usar abreviações parecia menos sincera e menos merecedora de receber uma resposta.

Quanto mais investigávamos, mais claro esse padrão ficava. Não importava se as mensagens eram sobre planos para o fim de semana ou eventos importantes da vida: quando a mensagem vinha cheia de palavras abreviadas, quem recebia se sentia um tanto menosprezado. 

DE APLICATIVOS DE NAMORO AO DISCORD

Mas nosso time de pesquisadores ainda ficou com uma pulga atrás da orelha: será que isso era só um efeito artificial do ambiente de laboratório? Será que, no mundo real, as pessoas se comportam de forma diferente?

Levamos a pergunta para o Discord, uma comunidade online onde se conversa sobre tudo, de anime a política. E o mais importante: frequentada por muita gente jovem, acostumadas a usar abreviações sem nem pensar.

Mensagens com abreviações que cortam a palavra quase toda acabam enfraquecendo o relacionamento.

Mandamos mensagens para usuários aleatórios pedindo indicações de séries para assistir. Em uma versão, a mensagem estava escrita por inteiro; na outra, cheia de abreviações.

Confirmando os resultados do laboratório, menos gente respondeu quando a mensagem vinha abreviada. Ou seja, mesmo entre nativos digitais, aquele texto cheio de "vc", "pq", "blz" ainda passa uma impressão de pouco caso.

Se essas letrinhas faltando já estragam conversas casuais, imagine quando entra em cena o fator romance? Afinal, hoje em dia, muito do flerte e da conexão amorosa começa por mensagem. Será que um simples “me liga plz” pode acabar com uma chance promissora? Será que um “vc acordada?” transmite mais preguiça do que carinho?

Essas foram as perguntas que guiaram a próxima etapa do nosso estudo. Queríamos saber se essa pressa das abreviações poderia atrapalhar aquele momento delicado da paquera. A resposta veio num experimento de speed dating (encontros rápidos), feitos online no Dia dos Namorados.

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Formamos duplas que se “encontravam” por mensagens durante um tempo limitado. Metade dos participantes recebeu pequenos incentivos para usar abreviações como “vlw” em vez de “obrigado”.

O que aconteceu? Na hora de trocar contatos, os participantes que receberam as mensagens cheias de abreviações ficaram mais hesitantes. Disseram que parecia que o outro lado não tinha se esforçado.

DÁ PARA USAR ABREVIAÇÕES - COM MODERAÇÃO

Não estamos dizendo que é para banir o “rs” ou o “lol”. O que nossa pesquisa mostra é que usar uma ou outra abreviação de vez em quando não vai acabar com uma amizade. Mas o uso constante de frases reduzidas acaba passando uma impressão ruim de forma consistente.

mesmo entre nativos digitais, textos abreviados dão a impressão de pouco caso.

Quando você escreve “vlw” várias vezes seguidas em uma conversa, corre o risco de transmitir a ideia de que a outra pessoa não vale nem o esforço de digitar mais algumas letras. O efeito pode até parecer pequeno em uma única interação. Mas, com o tempo, ele vai se acumulando.

Se o seu objetivo é criar uma conexão mais profunda – seja com um amigo, um irmão ou alguém com quem está começando a sair –, gastar mais alguns segundos para escrever “obrigado” ou “valeu mesmo” pode ser um ótimo investimento. Às vezes, algumas letrinhas a mais fazem toda a diferença para mostrar que a pessoa realmente importa para você.

Colaborou Sam Maglio, professor associado de marketing e psicologia na Universidade de Toronto

Este artigo foi publicado no "The Conversation" e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original


SOBRE O AUTOR

David Fang faz doutorado em marketing na Universidade Stanford. saiba mais