Chegou a hora de taxar a carne: como fazer isso funcionar?

Proteína animal mais cara pode mudar o comportamento, proteger o planeta e até tornar outros alimentos mais acessíveis

Crédito: rawpixel.com

Cameron Hepburn e Franziska Funke 5 minutos de leitura

A criação de gado e os cultivos para alimentar esses animais destroem mais florestas tropicais e matam mais animais selvagens do que qualquer outra indústria. A pecuária também emite grandes quantidades de gases de efeito estufa e produz muita poluição.

As consequências ambientais dessa atividade são tão profundas que será impossível o mundo cumprir as metas climáticas e manter os ecossistemas intactos sem que os países ricos reduzam o consumo de carne bovina, suína e de frango.

Para reduzir as emissões, retardar a perda de biodiversidade e garantir alimentos para uma população mundial em crescimento, é urgente que haja uma mudança na forma como a carne e os laticínios são produzidos e consumidos.

Um mercado em rápida evolução para oferecer novas alternativas, como hambúrgueres à base de plantas, tem facilitado a transição para dietas que eliminam ou diminuem o consumo de carne. No entanto, em países como a Grã-Bretanha, o consumo de carne não caiu rápido o suficiente nos últimos anos – não a ponto de conter os danos das emissões agrícolas.

Em vez da aposta apenas em alternativas, os preços da carne e de outros produtos animais precisam começar a refletir todos esses danos. Existem várias maneiras de fazer isso, mas cada intervenção apresenta suas próprias dificuldades.

A nosso ver, a saída mais provável será simples: impostos diretos sobre carnes e produtos de origem animal. Nossa pesquisa mais recente, publicada na "Review of Environmental Economics and Policy", analisou como poderia funcionar um imposto ambiental sobre a carne.

os preços da carne e de outros produtos animais precisam começar a refletir os danos ambientais.

Nossos cálculos sugerem que o preço médio de varejo em países de alta renda precisaria aumentar de 35% a 56% para carne bovina, 25% para aves e 19% para carne de cordeiro e porco, para refletir os custos ambientais de sua produção.

Felizmente, a pesquisa descobriu que um imposto sobre a carne, se implementado corretamente, não precisa aumentar a pressão sobre as famílias mais pobres – ou sobre a indústria agrícola.

ALIMENTAÇÃO MAIS JUSTA, MAIS SAUDÁVEL E MAIS VERDE

Antes que os preços dos alimentos disparassem em resposta à invasão russa da Ucrânia, a ideia de criar um imposto sobre a carne já vinha sendo cogitada pelos ministros da agricultura de países como Alemanha e Holanda.

Mesmo que taxar a carne seja impensável no atual ambiente político, impostos mais altos sobre carne e laticínios podem se tornar inevitáveis ​​para descarbonizar a agricultura no ritmo necessário para limitar o aquecimento global a pelo menos 1,5 graus Celsius, conforme estabelecido no Acordo de Paris.

Nossa análise mostrou que, se redistribuirmos a receita de um imposto sobre a venda de carne e produtos de origem animal de maneira uniforme pela população, na forma de pagamentos únicos uniformes no final de cada ano, talvez a maioria das pessoas de baixa renda tenha mais dinheiro do que antes dessa reforma tributária.

Mas será que as pessoas gastariam essa compensação financeira em carne ou em outros produtos vinculados a altos níveis de poluição? Uma pesquisa canadense mostrou que devolver os rendimentos de um imposto de carbono aos cidadãos não teve efeito significativo sobre os cortes nas emissões da província de Colúmbia Britânica (entre 5% e 15%). Tornar a carne relativamente mais cara provavelmente encorajaria as pessoas a gastar seu dinheiro em outros produtos.

Parte da receita tributária poderia financiar subsídios para o cultivo de hortaliças, grãos e proteínas alternativas, ou ajudar com mais regularidade famílias de baixa renda a comprar alimentos.

Tornar a carne relativamente mais cara provavelmente encorajaria as pessoas a gastar seu dinheiro em outros produtos.

Além disso, usar a receita de um imposto sobre a carne para reduzir os impostos de valor agregado sobre frutas, vegetais e grãos, por exemplo, poderia fornecer um alívio muito necessário para as famílias mais pobres em caso de alta no custo de vida, incentivando todos a reduzir o consumo de alimentos de origem animal. 

EQUILIBRANDO O JOGO

Outros tipos de regulamentação, como regras mais rígidas sobre o manejo de ração animal ou do esterco de forma mais sustentável, correm o risco de colocar os pecuaristas de um país em desvantagem em relação aos concorrentes estrangeiros, que ainda não estejam sendo onerados com os custos adicionais do cumprimento dessas regras. É por isso que uma forma de “ajuste de fronteira”, como dizem os economistas, também é necessária, para incluir produtos do exterior.

os consumidores normalmente são mais favoráveis ​​a impostos ambientais desse tipo se eles forem implementados gradualmente.

Um imposto cobrado de qualquer empresa que venda carne – incluindo restaurantes e cafés, bem como supermercados – em um determinado país afetaria de modo mais uniforme todos os produtores de carne. Outras pesquisas indicam que os consumidores normalmente são mais favoráveis ​​a impostos ambientais desse tipo se eles forem implementados gradualmente, com uma taxa mais baixa inicialmente.

Parte da receita arrecadada com o imposto poderia ser entregue diretamente aos agricultores, resultando em lucros maiores do que antes. Isso poderia ser pago de acordo com seu trabalho de cuidado e gestão da terra, restaurando habitats como florestas.

Ou poderia ajudá-los a investir na transição para novos fluxos de renda, como a produção de carne orgânica de alta qualidade de rebanhos de baixa densidade, que, consumidas em quantidades muito menores, ainda podem ser compatíveis com as metas de emissões.

Adotar medidas para tornar os alimentos à base de plantas mais acessíveis e os substitutos da carne mais atraentes abrirá o caminho para um futuro no qual será possível tornar a carne e os laticínios muito mais caros. A boa notícia é que, quando chegar a hora, os impostos sobre a carne poderão realmente nos ajudar a comer melhor, a um custo menor.

Se implementado corretamente, um imposto sobre a carne pode proteger o meio ambiente e, ao mesmo tempo, ajudar a garantir um futuro sustentável para os pecuaristas, bem como alimentos acessíveis e sustentáveis para todos.


SOBRE A AUTORA

Cameron Hepburn é professor de economia ambiental da Universidade de Oxford. Franziska Funke é pesquisadora de doutorado em economia a... saiba mais