Compensações de carbono de grandes empresas são inúteis, diz estudo
Relatório produzido por cientistas aponta que os créditos emitidos pela maior empresa do setor não trazem benefícios para o clima
A Verra, uma das líderes mundiais no mercado de carbono, está enfrentando sérios questionamentos sobre sua credibilidade. Jornalistas do “The Guardian”, “Die Zeit” e da organização sem fins lucrativos SourceMaterial revelaram que, com base em nove meses de análise, pelo menos 90% de sua compensação de carbono em florestas tropicais seriam “créditos fantasmas”.
Esses créditos, segundo eles, não demonstram “nenhum benefício para o clima” e uma parte poderia inclusive contribuir para o aquecimento global, em vez de reduzi-lo.
Entre os detentores dos créditos de carbono da Verra estão a gigante petrolífera Shell, Salesforce, Gucci, Disney, Netflix e Ben & Jerry's. Até a banda Pearl Jam e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos recentemente incluíram os créditos da empresa em um projeto de US$ 70 milhões destinado a “commodities inteligentes para o clima”.
Estima-se que uma parte dos créditos poderia, inclusive, contribuir para o aquecimento global, em vez de reduzi-lo.
Várias empresas que anunciam seus produtos e serviços como “carbono neutro” compram créditos da Verra. Desde 2009, quando foi fundada, ela já emitiu mais de um bilhão deles.
O novo relatório se baseia em artigos publicados e revisados por cientistas que coletaram imagens de satélite para verificar o impacto dos projetos florestais aprovados pela Verra, que se enquadram no programa REDD+ da ONU.
Os jornalistas também foram ao Peru para ver pessoalmente os maiores projetos da empresa. Eles escrevem que, durante uma visita a um projeto emblemático, moradores mostraram vídeos de casas sendo destruídas com motosserras por autoridades tentando expulsá-los da área.
HÁ CONTROVÉRSIA
Os créditos da Verra – conhecidos como Unidades de Carbono Verificadas – representam as toneladas de CO2 que os projetos florestais aprovados afirmam não terem sido emitidos graças a eles.
O impacto que um projeto terá no desmatamento é previsto pelos próprios organizadores. Os cálculos devem seguir as regras da empresa, mas, uma vez validados, são imediatamente convertidos em créditos para compra – basicamente, cada tonelada de CO2 capturada pelo projeto pode ser emitida pelo comprador.
Diversas empresas que buscam atingir emissões líquidas zero compraram um número recorde de créditos da Verra, embora nem toda a indústria de compensação esteja totalmente de acordo com a maneira como ela opera.
A Verra “refuta veementemente” o relatória e alega que os estudos calcularam erroneamente o impacto dos projetos.
Em maio de 2022, a Gold Standard, uma importante certificadora de compensação de carbono, disse que se recusa a certificar as compensações de projetos REDD+ porque eles “na verdade, escolhem áreas mais convenientes para maximizar a taxa base de desmatamento.”
A investigação aponta que, ao comparar o impacto estimado destes projetos com imagens de satélite e análises de cientistas independentes, fica comprovado que cerca de 94% dos créditos de carbono nem mesmo deveriam ter sido aprovados.
A Verra tem 87 projetos ativos; o relatório afirma que 32 deles exageraram suas previsões de desmatamento em uma média de 400%. Três projetos em Madagascar realmente alcançaram “resultados excelentes”, o que significa que, se fossem removidos do estudo, o erro nas previsões subiria para 950%.
VERRA APONTA FALHAS NO RELATÓRIO
No entanto, a Verra “refuta veementemente” o estudo, que traz à tona um dilema para organizações cujas estratégias de emissões líquidas zero dependem da reputação da emissora de créditos.
A empresa rejeita as alegações dos jornalistas, argumentando que são baseadas em estudos que ignoram fatores específicos do projeto que causam desmatamento. “Como resultado”, justifica, “esses estudos calcularam erroneamente o impacto dos projetos REDD+”.
Os pesquisadores, por sua vez, divulgaram gráficos usando os dados da empresa:
As linhas laranja são as estimativas “conservadoras” da empresa para o quanto teria sido desmatado nessas 12 regiões do Brasil se seus projetos não estivessem operando lá. As linhas azuis planas na parte inferior indicam o real desmatamento medido em áreas semelhantes nas mesmas épocas. “É claro que todo mundo tem direito a ter sua própria opinião”, escreve Tin Fischer, um dos repórteres do “Die Zeit”.
Mas para a Verra, essas críticas são antigas. Em 2020, o jornal britânico “Telegraph” publicou uma série de artigos que apontava que grandes empresas de compensação, como ela, haviam “enganado” os consumidores, fazendo-os acreditar que seus créditos contribuem significativamente para um futuro mais verde.
Uma investigação da “Bloomberg” chegou a uma conclusão semelhante sobre o tema. O próprio “The Guardian” já havia criticado companhias aéreas por confiar no sistema Verra, em um artigo publicado em maio do ano passado, o qual ela chamou de “falho” e “sensacionalista”.