Conselhos transformadores: o novo paradigma da governança corporativa
Os conselhos de administração precisam ir além da supervisão; devem se tornar catalisadores de transformação da governança corporativa.

A governança corporativa tradicional está em xeque. Ela se mostra inadequada para o cenário global atual, marcado por disrupções tecnológicas, tensões geopolíticas, crises climáticas e mudanças sociais profundas.
Para não apenas sobreviver, mas prosperar nesse ambiente, os conselhos de administração precisam ir além da mera supervisão. Eles devem se tornar catalisadores de transformação, integrando quatro pilares essenciais.
O primeiro pilar é o Foresight Estratégico, para antecipar e moldar futuros possíveis. O segundo é a Inteligência Artificial, que potencializa a tomada de decisão com dados e análises em tempo real. O terceiro é a Economia Regenerativa, um modelo de negócios que cria valor positivo para a sociedade e o meio ambiente.
Por fim, temos o ESG, que serve como o arcabouço prático para a gestão de riscos e a perenização dos negócios. Juntos, esses conceitos não só fortalecem a resiliência das empresas, mas também as posicionam como agentes de mudança, criando valor de longo prazo para todos os envolvidos.
FORESIGHT: A ARTE DE ANTECIPAR PARA AGIR
O Foresight Estratégico é a disciplina que capacita os conselhos a olhar além do presente. Em vez de se limitarem ao planejamento de curto prazo, eles exploram tendências, sinais emergentes e incertezas para construir múltiplos cenários futuros.
Essa abordagem proativa permite que as empresas se preparem para o que está por vir, identificando riscos e novas oportunidades antes que se tornem evidentes para a concorrência.
Ao integrar o Foresight nas discussões do conselho, as empresas garantem que as decisões de hoje considerem as implicações de longo prazo, fortalecendo a resiliência organizacional e fomentando portfólios mais inovadores.
A resiliência climática é um exemplo perfeito da importância do Foresight. Longe de ser uma prática voluntária, a preparação para os impactos das mudanças climáticas – como eventos extremos e interrupções na cadeia de suprimentos – se tornou uma questão de compliance.

Normas como a IFRS S1 e IFRS S2, por exemplo, exigem que as empresas divulguem como os riscos climáticos afetam suas finanças e estratégias.
Para ser eficaz, o Foresight deve ser aplicado por meio de perguntas provocadoras: "como a empresa seria afetada por cenários geopolíticos desafiadores?" ou "quais novas oportunidades de mercado podem surgir das megatendências que estamos observando?".
A Shell é um exemplo clássico. Apesar de sua base na indústria de combustíveis fósseis, a empresa investe em Foresight desde a década de 1970 para se preparar para futuros cenários energéticos. Seus Cenários de Energia são usados para moldar suas estratégias de longo prazo, o que inclui o desenvolvimento de fontes de energia renovável.
A empresa utiliza essa disciplina para avaliar riscos geopolíticos e de mercado, garantindo que suas decisões de investimento sejam mais informadas.
IA: O NOVO CÉREBRO DA GOVERNANÇA
A inteligência artificial não é mais uma promessa futurista; é uma ferramenta essencial na caixa de governança moderna. Ela não substitui o julgamento humano, mas o potencializa.
A IA tem a capacidade de processar e analisar volumes massivos de dados, o famoso big data, em uma escala e velocidade impossíveis para a análise humana. Ela pode revelar padrões, correlações e insights que servem de base para decisões estratégicas mais ágeis e informadas, além de suportar análises de mercado contextualizadas para o conselho.
A IA pode ser integrada aos conselhos de diversas formas. Na análise de risco em tempo real, algoritmos de IA podem monitorar continuamente dados de mercado, notícias, e redes sociais para identificar riscos emergentes, como vulnerabilidades na cadeia de suprimentos ou problemas de reputação.
Na otimização de portfólios de investimento, a IA pode simular diferentes cenários, considerando uma vasta gama de variáveis, incluindo riscos ESG e retornos financeiros, ajudando a alocar capital de forma mais inteligente.

Já no apoio à decisão estratégica, a IA pode analisar dados internos e externos para fornecer recomendações, como a identificação de novos mercados ou a otimização de preços. A mesma capacidade se aplica a monitorar o bem-estar dos funcionários em tempo real, identificando problemas no clima organizacional ou situações que requeiram apoio pontual.
Contudo, o uso da IA na governança requer atenção especial à ética e à transparência. Os conselhos devem garantir que os algoritmos sejam livres de vieses e que as decisões baseadas em IA sejam sempre revisadas e compreendidas por humanos, mantendo a responsabilidade final.
A Microsoft é um exemplo claro. Internamente, a empresa usa IA para automatizar a análise de grandes conjuntos de dados financeiros e operacionais, fornecendo painéis em tempo real para o conselho.
A empresa também investe pesadamente em IA para seus objetivos de sustentabilidade, utilizando a tecnologia para otimizar o consumo de energia em seus centros de dados e apoiar pesquisas climáticas.
ECONOMIA REGENERATIVA: DE SUSTENTABILIDADE A IMPACTO POSITIVO
A Economia Regenerativa vai além do conceito de sustentabilidade, buscando ativamente restaurar e renovar os sistemas naturais e sociais. É uma evolução das práticas ESG, movendo as empresas de um estado de "não fazer mal" para "fazer o bem".
Esse modelo de negócios não se limita a reduzir impactos negativos, mas também a criar valor positivo para o ecossistema e a sociedade.
Para os conselhos, adotar a Economia Regenerativa significa repensar modelos de negócios. Em vez de focar apenas na eficiência de recursos, a empresa pode investir em cadeias de suprimentos circulares que minimizam o desperdício e maximizam o uso de materiais.

Isso pode envolver o desenvolvimento de produtos que possam ser facilmente desmontados e reutilizados, ou a criação de sistemas de logística reversa. Significa, também, investir em capital natural e social, valorizando ativos como a biodiversidade, a qualidade do solo, a saúde dos rios e o bem-estar dos funcionários, reconhecendo que eles são fundamentais para o sucesso de longo prazo.
Por fim, significa gerar valor para a sociedade, criando produtos ou serviços que resolvem problemas sociais e ambientais, como soluções de energia limpa ou tecnologias de agricultura sustentável.
A Natura & Co. é um exemplo de como a Economia Regenerativa pode ser o pilar da proposta de valor e um forte apelo comercial. Seu compromisso com a Amazônia se manifesta em uma cadeia de valor que trabalha com comunidades locais, promovendo o uso sustentável da biodiversidade.
A valorização das comunidades, o foco em embalagens sustentáveis e o rigor na mensuração de suas iniciativas mostram que a empresa não apenas minimiza o impacto, mas gera valor social e ambiental, conquistando a lealdade de clientes que buscam marcas com propósito.
ESG: O ARCABOUÇO PARA UMA TOMADA DE DECISÃO INTEGRADA
O ESG serve como o arcabouço prático que une o Foresight, a IA e a Economia Regenerativa, traduzindo esses conceitos em métricas e padrões tangíveis. Ele fornece a linguagem e a estrutura para que os conselhos avaliem e gerenciem os riscos e as oportunidades ambientais, sociais e de governança.
A integração do ESG no cerne das decisões do conselho significa que ele não é mais uma mera questão de compliance. O ESG se torna um motor de inovação e valor, informando a estratégia, a alocação de capital e a cultura da empresa.
O "G" de governança se expande para incorporar a supervisão de tecnologias e de riscos e oportunidades ESG, garantindo que as metas de sustentabilidade sejam monitoradas com o mesmo rigor que as metas financeiras.

Por fim, o valor da empresa é redefinido. Não é mais medido apenas pelo preço de suas ações, mas também por sua capacidade de se reinventar e gerar impacto positivo. O ESG fornece as métricas para quantificar esse valor intangível, permitindo que os conselhos demonstrem seu compromisso com a criação de valor de longo prazo.
A Suzano, líder global na produção de celulose, integra os pilares ESG em sua estratégia de negócios com metas ambiciosas. A empresa busca ser "net positive", ou seja, remover mais CO2 da atmosfera do que emite.
Esse compromisso não apenas atrai investidores responsáveis, mas também reforça sua reputação junto a clientes corporativos em todo o mundo. A transparência na divulgação de seus resultados e a busca contínua por inovação consolidam a Suzano como referência ESG, com uma proposta de valor diferenciada e um apelo comercial poderoso.
RUMO A CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO TRANSFORMADORES
A sinergia entre Foresight, IA, Economia Regenerativa e ESG representa um salto na governança corporativa, transformando os conselhos em verdadeiros agentes de mudança.
Ao adotarem essa abordagem proativa, as empresas não apenas se adaptam a um mundo de incertezas, mas se posicionam como líderes, criando valor econômico e impacto positivo para a sociedade e o planeta.
O futuro pertence aos conselhos que entendem que a perenidade de suas organizações está intrinsecamente ligada à construção de um futuro mais próspero, resiliente e equitativo para todos, com o apoio da tecnologia.