É hora de as lideranças começarem a promover a desaceleração

Não podemos continuar consumindo no ritmo que estamos fazendo

Créditos: master1305/ iStock

Andrew White 4 minutos de leitura

Quantas vezes você já viu um líder conseguindo manter o otimismo e a energia inspiradora mesmo quando o barco está afundando?

Isso é muito raro. Até porque, de acordo com a nossa visão arraigada de liderança, só mesmo um péssimo CEO entraria em declínio dessa forma. Costumamos achar que uma boa liderança, necessariamente, vai resultar em crescimento, força e poder, não é?

Pois bem, eu acredito que devemos virar esse pensamento de cabeça para baixo.

Pense na seguinte situação: o líder de uma empresa de

o modelo tradicional de desempenho empresarial é cada vez mais irrelevante se for considerado isoladamente.

petróleo tem um painel de controle à sua frente. Nesse painel, ele pode apertar um botão para acelerar a redução dos combustíveis fósseis em favor da alocação de mais capital para energia renovável.

Se ele apertasse o botão, você o consideraria um líder ruim? 

Agora, imagine se o CEO de uma empresa de alimentos usasse o painel para acelerar a redução do excesso de açúcar e sal nos produtos fornecidos aos supermercados sem ser pressionado pelos reguladores. Isso seria uma liderança ruim?

Ou, então, imagine se o líder de uma empresa de água engarrafada girasse um botãozinho para acelerar a redução do uso de garrafas plásticas insustentáveis. Isso faria dele um líder fraco?

LUCRO LÍQUIDO ZERO

Esses foram os cenários hipotéticos que eu trouxe em uma palestra TEDx que fiz há oito anos, na qual questionava a narrativa dominante de que a liderança eficaz tem tudo a ver com crescimento.

Meu argumento é que o modelo tradicional de desempenho empresarial – simplesmente entregar crescimento lucrativo e retorno aos acionistas – é cada vez mais irrelevante se for considerado isoladamente.

A mesma importância deveria ser dada à forma como um líder se doa para a sociedade: especialmente cumprindo metas ambientais.

Até 2050, saberemos se vencemos a corrida para o lucro líquido zero. As empresas podem desempenhar um papel fundamental para alcançarmos esse objetivo, acelerando a diminuição de práticas que prejudicam o meio ambiente.

Capacidade tecnológica para construir e manter plataformas de petróleo poderia ser usada para fazer a transição para energias renováveis (Crédito: Pixabay)

No século 20, o consumo de recursos naturais era quase ilimitado. Finalmente percebemos que não podemos continuar a consumir no ritmo atual. Isso significa que certas indústrias estão em declínio – e pode-se argumentar que, quanto mais rápido elas diminuírem, melhor.

Mas isso também significa que mais capital se tornará disponível e haverá mais espaço para inovação, para tudo aquilo que eventualmente substituirá essas indústrias. Portanto, algumas empresas vão falhar na transição para a próxima onda de crescimento e perder seu lugar como líderes em seu setor. Um exemplo clássico é a indústria de petróleo e gás.

Lá em 2015, quando fiz a palestra, eu não tinha como prever que, em 2023, as empresas de petróleo ainda estariam gastando mais em combustíveis fósseis do que em renováveis. Ou que quase 500 bilhões de garrafas plásticas ainda seriam usadas em todo o mundo, todos os anos. Achava que as coisas iam mudar mais rapidamente.

Mas, em muitos casos, parece que os lucros imediatos ainda estão sendo buscados em detrimento da aposta em modelos de negócios sustentáveis para o futuro. Foram três passos para frente e dois para trás.

DÁ PARA FAZER

O mais frustrante é que muitas dessas empresas têm os meios adequados e a capacidade tecnológica necessária para efetuar mudanças. A capacidade para construir e manter uma plataforma de petróleo e gás, por exemplo, é enorme.

Se isso fosse desacelerado em um ritmo mais rápido em favor da implantação de mais recursos em energias renováveis, é difícil provar que no longo prazo, os modelos de negócios dessas empresas estariam em uma posição melhor. Mas sinto que há boas razões para ser otimista em relação ao futuro quando avalio o novo arquétipo de liderança que está surgindo.

Takk, marca britânica de cuidados pessoais: "vendemos apenas produtos essenciais/ só quando você precisa/ sem promoções nem truques para aumentar vendas"

Percebi isso no meu podcast Leadership 2050, que apresento como parte do meu trabalho com a Saïd Business School, da Universidade de Oxford.

Uma líder que entrevistei me marcou bastante. Pinar Akiskalioglu é fundadora da Takk, marca de cuidados pessoais “somente essenciais”, que incentiva os clientes a escolher apenas os itens de que precisam, como parte de sua meta de combater o desperdício.

É bem diferente de outros varejistas que, quando você compra um determinado produto, te bombardeiam com e-mails incentivando a comprar mais. O que Akiskalioglu criou é um contrato com o consumidor dizendo “não vamos vender produtos desnecessários”.

Ela está incentivando ativamente a redução do consumo excessivo como um dos pilares de seu modelo de negócios. Ao mesmo tempo, criou uma base fiel de clientes. E está conseguindo crescer, mesmo dizendo às pessoas para comprar menos.

Essa é uma lição para as empresas cujos modelos de negócios estão se deteriorando. A menos que passem por uma grande reinvenção, elas continuarão sofrendo para se manter. O que estão começando a ver é o surgimento de um novo mundo.

Somente aceitando o fim dos aspectos negativos de suas operações é que essas empresas vão começar a transcender seus desafios. E é aí que mora o poder de permitir – e, às vezes, até abraçar – o próprio declínio.


SOBRE O AUTOR

Andrew White é membro sênior em prática de gestão e diretor do Programa Avançado de Gestão e Liderança na Saïd Business School da Univ... saiba mais