Luta contra a mudança climática: dois passos para frente, um para trás

Em 2022 vimos movimentos históricos para enfrentar a crise climática. Mas muitas empresas ainda estão apostando firme na sustentabilidade

Instalação de processamento de óleo de palma na Indonésia (Crédito: Dimas Ardian/ Bloomberg/ Getty Images

John Kazior 6 minutos de leitura

À primeira vista, o ano de 2022 teve diversos movimentos significativos de investimento na ação climática. Nos Estados Unidos, uma lei ambiental histórica destinou centenas de bilhões de dólares a programas climáticos e de empregos.

Além disso, uma grande seguradora global declarou que a crise climática reduziria a economia mundial em US$ 23 trilhões até 2050. Esse alerta serviu como forte incentivo para promover projetos de descarbonização e de ação climática. Da parte da indústria, vários executivos importantes admitiram que os programas climáticos são lucrativos.

Mas, pelo que parece, eles não são tão lucrativos assim.

Da parte da indústria, vários executivos importantes admitiram que os programas climáticos são lucrativos.

Muitos achavam que a inflação, a guerra, a pandemia e os desastres ambientais iriam incentivar ações contra a mudança climática. No fim, tudo isso acabou servindo de pretexto para que executivos e formuladores de políticas adiassem suas apostas na sustentabilidade e permanecessem comprometidos com os combustíveis fósseis.

O ano passado começou com a invasão da Ucrânia pela Rússia, que forneceu um estudo de caso sombrio sobre os perigos da dependência de combustíveis fósseis. Como resultado, grande parte da Europa está entrando no segundo ano de uma crise energética aguda.

Estrangulando o fluxo de petróleo e gás para a União Europeia, os fornecedores de energia russos forçaram os maiores emissores de gases de efeito estufa da UE, como a Alemanha, a intensificar o uso do carvão e a abrir  novos mercados de combustíveis fósseis. 

Tubulações armazenadas para um oleoduto em construção do Terminal de LNG de Brunsbüettel para a cidade de Hamburgo, um dos vários inaugurados ao longo das costas do Mar do Norte e do Mar Báltico para que a Alemanha possa importar gás natural liquefeito por navio (Crédito: Morris MacMatzen/ Getty Images)

A guerra também contribuiu para que as cadeias de suprimentos globais, atingidas pela pandemia, ficassem ainda mais obstruídas, destruindo os esforços de abastecimento sustentável que haviam levado anos para serem estabelecidos. Um exemplo é o óleo de palma, ingrediente presente em inúmeros produtos – dos biscoitos Oreo à pasta de dente Crest – e que provoca desmatamento extremo em todo o mundo.

Nos últimos anos, o óleo de girassol tem sido cada vez mais

nos EUA, a Lei de Redução da Inflação destinou US$ 370 bilhões para projetos de descarbonização e clima.

utilizado como uma alternativa mais sustentável. No entanto, com 65% do suprimento mundial de óleo de girassol vindo da Rússia e da Ucrânia, as interrupções da guerra fizeram com que algumas empresas multinacionais de alimentos voltassem a recorrer ao destrutivo óleo de palma.

Enquanto isso, nos EUA, a Lei de Redução da Inflação destinou US$ 370 bilhões para projetos de descarbonização e clima. A lei proporciona um incentivo sem precedentes para que as empresas façam a transição para energias renováveis e ampliem programas focados na mitigação da crise climática.

Mas muitos argumentam que a nova lei é autodestrutiva em muitos aspectos, pois exige que mais terras e água sejam leiloadas para a extração de combustíveis fósseis e, na verdade, facilita a regulamentação sobre as indústrias emissoras de combustíveis fósseis.

Mesmo com canos estourando por toda parte este ano, até a lei climática mais significativa da história dos Estados Unidos permite que a infraestrutura de combustíveis fósseis continue a crescer.

Trabalho de limpeza depois do rompimento de um oleoduto em Keystone, Kansas (Crédito: AP/ Shutterstock)

Também no ano passado, a Comissãode Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês) finalmente começou a levar a sério a aplicação de todas as promessas de “carbono zero” que as empresas vêm divulgando.

É comum que alegações de empresas, marcas e projetos sobre suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) sejam enganosas ou simplesmente falsas. Isso é particularmente ridículo quando uma companhia como a BP afirma estar no caminho de se tornar carbono zero até 2050.

DRIBLANDO A LEI

Paradoxos à parte – já que é um contrassenso uma empresa de combustível fóssil se dizer carbono zero –, uma investigação de um ano do Comitê de Supervisão da Câmara sobre as reivindicações das empresas de combustíveis fósseis descobriu documentos internos da BP admitindo que eles “não tinham obrigação de minimizar as emissões de gases de efeito estufa” e que pretendiam apenas “minimizar as emissões de GEE onde isso fizesse sentido comercialmente”.

É comum que alegações de empresas sobre suas emissões de gases de efeito estufa sejam enganosas ou simplesmente falsas.

Em março, a SEC estabeleceu novas regras climáticas exigindo que todas as empresas de capital aberto divulguem informações relacionadas ao clima sobre suas emissões de GEE. Mostrar comprovação de emissões pode parecer um requisito muito óbvio para empresas que afirmam reduzir suas emissões de GEE.

No entanto, a ideia de que as empresas podem ser legalmente responsáveis por falta de transparência faz com que os investidores desistam de uma hora para outra de seus compromissos climáticos.

A Vanguard, segunda maior gestora de ativos dos EUA, retirou-se de uma iniciativa global carbono zero, com a BlackRock – a maior gestora de ativos – e vários grandes bancos também supostamente incomodados com os requisitos propostos.

Isso ocorreu após uma onda de crescente otimismo sobre projetos climáticos e de sustentabilidade. Mesmo com a pandemia, os últimos anos viram o crescimento dos esforços ESG – termo genérico usado por investidores e corporações para falar de projetos ligados à transição de energia renovável, gestão sustentável de recursos, desigualdade social, economia circular e outras questões ambientais e sociais.

No ano passado, cerca de US$ 120 bilhões foram investidos em ESG, contra US$ 51 bilhões no ano anterior. As startups climáticas tiveram um investimento recorde de US$ 32 bilhões, enquanto na infraestrutura de transição de energia – uma das questões mais significativas nesse campo – foram investidos US$ 775 bilhões em 2021.

PROJETOS ESG ADIADOS

Havia boas razões para acreditar que isso continuaria. Segundo pesquisa recente da empresa de auditoria KPMG 70% dos 1,3 mil CEOs entrevistados disseram que os programas ESG melhoraram o desempenho financeiro – o dobro da pesquisa do ano passado.

No ano passado, cerca de US$ 120 bilhões foram investidos em ESG.

Mas a iminente recessão aparentemente soterrou esses planos. Na mesma pesquisa, quase 60% dos CEOs disseram que pretendem pausar ou reconsiderar os programas ambientais e sociais nos próximos seis meses. Os cortes em ESG fizeram com que os varejistas adiassem projetos e embalagens sustentáveis, que geram custos extras no curto prazo.

Enquanto isso, alguns proprietários dos EUA estão cortando projetos de melhoria e sustentabilidade, como instalação de painéis solares e outras medidas de eficiência energética.

Por todos esses motivos, 2022 foi um ano de contradições para a ação climática de empresas e governos. A própria COP27, a conferência do clima, foi patrocinada pela Coca-Cola, uma corporação que produz cerca de quatro mil garrafas plásticas por segundo.

Na virada para 2023 ainda há sinais de otimismo, mas ele só vai se manter se os líderes apostarem na sustentabilidade e pararem de tentar ter tudo.


SOBRE O AUTOR

John Kazior é autor e designer escreve sobre greenwashing no setor de design. saiba mais